segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

No Museu D'Orsay

Eu sempre gostei da pintura europeia produzida da segunda metade do século XIX até o Entre-guerras. Desde quando eu nem sabia que era disso que se tratava. Só via os quadros, as cores, a luz e ficava olhando longe. Assim, estar por quatro meses em Paris, em 2006 e não ir ao Museu D’Orsay, onde há enorme coleção de arte impressionista, era algo fora de cogitação. Mas confesso que não foi fácil. O lugar é muito disputado. Na primeira vez em que tentamos, ficamos mais de hora na fila, com chuva e frio, até que desistimos. Na segunda vez, fomos muito intencionados. Aguentamos duas horas e meia e entramos lá. E tudo valeu.
O Orsay é uma antiga estação de trens cuja arquitetura preservada combina perfeitamente com os quadros pintados naquele fin-de-siècle.


Fica à beira do Sena e, se nem houvesse qualquer coisa dentro, já valeria uma visita.

Não se pode fotografar as pinturas, mas o resto pode.

O texto abaixo foi o que escrevi assim que saí de lá. Na época, enviei para alguns amigos. Como vocês poderão ver, pela dicção do texto, o Orsay me lançou um feitço e eu me criancei por vários dias (mas, como vêem pela foto, não era só eu: é comum ver essas turmas inteiras de crianças, fascinadas, a contemplar e perguntar tudo aos professores).

Paris, 13 de maio de 2006
Fomos lá no Orsay e adoramos bastante. Verdade que tinha um punhado de gente atrapalhando de ver os quadros: uns italianos gritando e esparramando as mãos pra tudo quanto é lado; umas alemoas grandonas, maiores que os homens que vão com elas (dizem que são as tais de norvegianas); uns miles de japoneses: tudo correndo de cá pra lá e batendo foto. Dá vontade de botar todos pra fora... Mas deixemos pra lá, que sou um sujeito de raivas muito passageiras.
Tem os quadros!!!! Os do Manet olham pra gente de um jeito tão intenso que encabula. O menino com o pífaro é de ficar horas. Ele toca a flauta e olha pra gente ao mesmo tempo. É uma inquietação. Da mesma forma que todas as pessoas bem brancas contra os fundos escuros que ele gostava tanto. Até umas jovens nuas. Olhando pra gente. Sempre.

Depois, eu entrando numa sala grande, alta e, da porta, vi que lá na outra parede amanhecia. E, ao lado, fazia tarde a pino. Logo adiante, estavam recolhendo os bichos porque estava anoitecendo. Era tudo Pissaro, que eu passei a amar desde já.

Indo adiante, tinha um quadro do Claude Monet no qual recém tinham tomado café e as coisas ainda estavam sobre a mesa, no jardim, as cadeiras vazias levemente afastadas. Em volta da mesa, fazia uma manhã tão morna e o dia prometia ficar tão lindo, que eu quis entrar pra dentro e mandar os Monet tudo embora. Toca daqui porque quem vai morar nessa casa agora sou eu. Tô cobiçando sim! Quem mandou gavar? É pra já que eu trago minha linda, espalho meus livros, boto rádio pra ouvir jogo do Colorado e nunca ninguém vai dizer que isso aqui não sempre foi meu.
Isso sem falar da ponte verde onde um dia eu ainda vou passar lá e respirar bem fundo...
Quando fui ver o Van Gogh tinha tanta gente na frente que eu quis dar uns cotovelaços, mas a Nika não deixou. No entanto, mesmo com aquele barulho todo, os camponeses tiravam uma sesta no amarelo. Campo de feno. Logo, ia chover. E nos outros quadros todas as cores e formas eram muito apropriadas para sonho. Inclusive o azul.

Eu sempre gostei do Degas. Porém, agora gosto mesmo. Pois, como vocês sabem, eu aprecio de coração e de melancolia os quadros do Hopper. Vocês me acreditam que eu estava passando os olhos numa parede e havia um quadro do Degas que tinha o Hopper todo nele?! Foi daquela matéria ali que o Hopper puxou, puxou, esticou, arrumou, botou uns silêncios e criou sua própria obra. Mas ele tem que dar federação ao Degas. Nessas coisas das solidões, o Degas exerce PRIMAZIA.

Mas de tudo, tudo, tudo que eu vi naquele dia; e aí vou incluindo o Sena com a Rive Droite encostada nele; e boto também as moças do Gauguin acarinhadas numa cor de manga madura que eu conheço e amo desde menino; pois de tudo isso, o que me tirou mesmo de mim, e me estendeu pra muito maior do que eu sou, foi mesmo uma pintura do Lautrec. Porque ele, que tudo caricaturava com amargor, pintou uma cena eterna. O quadro se chama

“Dans le lit”

estava em uma sala escura e eu nunca tinha visto... Não tem como descrever. E nem vou tentar. Nem procurem na internet, porque a visão dele aqui, em uma tela de computador, não tem condão. Nem é o mesmo quadro que vendo lá. Um dia vocês vão lá e vejam. E façam dele algo seu. E até posso apostar que ele continuará com vocês, da mesma foram que ele está trespassado em mim, desde então.

3 comentários:

  1. Muito bom o texto. A relação desse quadro do Degas com o trabalho do Hopper parece aquele tipo de charada visual: depois que te contam aonde está o "gato" tudo parece óbvio e evidente. Amo o quadro do Lautrec que citaste (e toda a obra dele). Só conheço uma reprodução. Quem sabe um dia veja o original.

    abraços

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    1. Fernando, eu sei que tanta incitação de minha parte sobre o original do Lautrec pode ter efeito contrário. Pode gerar demasiadas expectativas. Mas para mim, que não conhecia este quadro, vê-lo na sala escura, aproximar-me para olhar (porque não é grande) e DESCOBRÍ-LO foi, realmente, uma experiência e tanto. Mas o Orsay vale tudo.
      Eu cheguei a escrever, meses atrás, outro post no blog, sobre Hopper e Degas, onde transcrevi, em parte, o que escrevi sobre eles aqui. Está no tag Meus Gostos.

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