quarta-feira, 23 de maio de 2012

domingo, 29 de abril de 2012

Crônica do Gre-Nal 392, Caçapava e minhas orelhas geladas



Assisti ao gre-NAL no estádio, tiritando de frio e me maldizendo por ter deixado os agasalhos no carro, esquecendo-me do vento gelado que sopra na beira do Guaíba. O Inter foi para o jogo todo esgualepado, sem cinco titulares. O Grêmio não tinha o Gladiador, o que é uma ausência importante. O jogo foi a cara dos dois times: muita marcação, muita entrega, pouco talento. Ainda assim, no primeiro tempo, o árbitro Márcio Chagas da Silva conseguiu protagonizar dois lances lamentáveis. Primeiro, o defensor do Grêmio espalmou um chute de Guiñazú dentro da área. Pênalti claro não marcado. Tão constrangido ficou que, depois, não deu pênalti muito parecido, de Rodrigo Moledo, na área do Inter. Isso mesmo, seu juiz, tem que ter critério. No caso, o critério é cometer absurdos para os dois lados.

No Internacional, se é de lamentar as carências do grupo, não é possível reclamar da garra do time. Foi brigador o tempo inteiro. Jackson, grata surpresa, foi muito firme e, mesmo improvisado, foi suficiente para anular o On-Off Miralles a ponto de fazê-lo ficar no vestiário. O jogo foi equilibrado, com pequena supremacia do Inter, que perdeu um gol com Damião cabeceando, sozinho, na marca do pênalti, mas de uma forma tão delicada que Vitor quase agradeceu. O gol de Dátolo, que não jogava bem, foi a única jogada de talento do time. Depois de Damião disputar a bola contra 38 zagueiros do Tricolor, o argentino pegou a sobra de pé direito (que não é o bom) e deu uma bomba, cruzada. Vitor adivinhou o canto, pulou uma semana antes e, ainda assim, nada pode fazer. É bom que o Grêmio não esteja jogando a Libertadores: vai gostar de tomar gol de argentino assim lá em Santo Tomé, heinhô Vitor.

No segundo tempo, Luxemburgo trocou o esquema suicida que empregara na primeira etapa e seu time melhorou, fez um gol em uma bobagem de Moledo e jogou 20 minutos muito bem. Aí Luxemburgo resolveu ajudar o Inter. Deu um tapa e tentou esgoelar o gandula, que repusera a bola rapidamente para Dátolo bater escanteio. Foi um escarcéu, acabou expulso e o Grêmio desandou sua reação. O Inter ganhou ímpeto e recomeçou a atacar. Era um escanteio e o Inter tinha na área os dois zagueiros, Jô e Damião. Aí faltou gente para marcar Fabrício, que apareceu voando no primeiro pau e deu um tijolaço para dentro do gol, quase furando as redes e indo parar na torcida do Grêmio.

O jogo, então, foi para o final sem maiores emoções. Digo, sem emoções para quem via em casa e sem compromisso. Para quem estava no estádio tremendo de frio, o final foi tenso, como sempre. Não gosto de Gre-Nal, fico muito nervoso. Mas quem disse que eu consigo largar o marvado?

Luxemburgo escondeu a escalação até a hora da entrada em campo. Entrou com 18 jogadores e, só quando se posicionavam, deu para ver que time jogaria. Talvez estivesse escondendo de vergonha, pela pataquada que fez escalando um 4-3-3 que fragilizou o meio-campo em favor dos inoperantes Bertoglio, André Lima e Miralles. Corrigiu no segundo tempo, mais aí, fez aquela baboseira com o gandula. Está devendo à torcida. Além da péssima partida (ou ruindade mesmo... não sei, não acompanho o Grêmio) desses três jogadores e de Marco Antônio e de Gabriel, o Grêmio deveria ter mais uma preocupação. Antigamente, a equipe se segurava nas bolas altas, agora, nem isso. Perdeu quase todas, inclusive tomando um gol. Mas isso não é problema meu.

O Inter, sem meio time, esforçou-se muito, marcou muito (basta dizer que os destaques do time foram Tinga, Guiñazú e Sandro Silva). A falta de qualidade foi compensada com entrega. Talvez o grande emblema dessa dedicação a morder o calcanhar dos adversários, o tempo todo, tenha sido, ao final da partida, o encontro de Sandro Silva com o eterno Caçapava - centromédio marcador do Inter dos gloriosos anos 70. O repórter captou o áudio do diálogo entre os dois e todos pudemos ouvir, em alto e bom som, o velho Caçapa, que é do tempo anterior ao politicamente correto, dizer ao Sandro, enquanto provavelmente o abraçava: “Tu tá jogando uma barbaridade, EM Ô NEGRÃO: VAI TOMÁ NO CU!” Se não valesse por mais nada, ganhar do Grêmio e ouvir maravilhas já teria justificado minhas orelhas geladas. DÁ-LHE INTER!!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Photographias


As fotografias produzidas no século XIX me causam maravilha.

Eu estudo aquela gente. Aqueles lugares.

É conhecida e mil vezes repetida a sentença, devida a Marc Bloch, de que os historiadores devem ser como o ogro do imaginário medieval. Devem farejar a carne humana e andar onde ela estiver. Pessoas, é disso que trata a História. Está aí uma daquelas ideias tão simples e tão adequadas, que se deveria ter na frente da mesa de trabalho, colado no mural, tatuado no braço. Eu sei bem disso, não pensem que não.

Porém, apesar desse impulso e desse esforço consciente por reconstruir humanidades, basta olhar uma dessas fotos e fica clara a impressão de que a torrente de modelos analíticos, ideias, relações, escolhas narrativas, tudo isso acaba proporcionando, no máximo, imagens muito esquemáticas daquela gente.

Essa percepção me esbofeteia a cara quando olho para as figuras, os olhares, o corpo das pessoas naquelas fotos.

Olhem para esses dois sujeitos, no fundo desses retratos esmaecidos, encontrados junto a um processo criminal do final do século XIX. Eles foram acusados de um homicídio na fronteira do Brasil com a Argentina, em 1884.

Seraphim Cesário e Silva, 30 anos, solteiro, natural de Alegrete. No interrogatório, disse ser pedreiro, porém vivia de trabalhos eventuais.



Miguel Verdum, 21 anos, natural do Uruguai e também vivia de trabalhos não especializados.



Eu sei, os retratos são, eles também, muito artificiais. E se poderia dizer mil palavras analisando suas roupas, sua postura, os grilhões que lhes prendem os pés. Não farei isso aqui. Uma análise dessas imagens e da gente que transitava naquela fronteira, vocês encontram na tese de doutorado de Mariana Thompson Flores, que me cedeu gentilmente essas fotos e de cuja obra tirei a ideia para este post. Como apontou Mariana, "suas imagens, sentados com os pés presos por grilhões, devem representar que aspecto deviam ter esses inúmeros indivíduos que transitavam entre fronteiras geográficas e viviam entre o lícito e o ilícito." 

Aqui, porém, eu queria apenas declarar esse fascínio que me é inevitável. Creio que seja diferente para historiadores que estudam o século XX, familiarizados com os sujeitos e a época que estudam através de  um sem número de fotografias. Já, para os estudiosos do século XVIII ou épocas anteriores, essa percepção através da foto é impossível. Assim, só os historiadores que dedicam seu trabalho ao Oitocentos  talvez possam me entender. As fotografias existem. Mas elas trazem junto uma sensação que tem o poder de desnaturalizar.

Trata-se da experiência de render-se à imagem como um instrumento de comunicação com um outro mundo. 

E eu me assombro.



Parte desse post foi inspirado em comentário feito ao excelente post do Charlles Campos sobre as fotografias de Eugène Atget

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Pais e filhos


Meu avô paterno era um homem sério. E antiquíssimo. Nasceu em 1902 e viveu quase um século. Era duro com os filhos. Há uma lenda familiar que atribui a ele uma regra disciplinar para Salomão nenhum botar defeito: um filho aprontava, todos os sete apanhavam. Assim, uns impediam os outros de fazer estrepolias. Era um tempo em que carinho físico entre pai e filho não se praticava. Ao menos não era o normal. Carinho era dar exemplo de trabalho, honestidade. Carinho era levantar todos os dias antes do sol nascer, para botar comida na mesa. Pensando assim, não deixa de ter alguma lógica. Mas qualquer gesto explícito de afeto entre pai e filho era desaconselhável, porque sinalizava fraqueza. E a formação dos homens não admitia isso. Talvez uma das grandes conquistas dos últimos 40 anos seja, exatamente, a superação desses valores. Não vivi aquele tempo, mas tenho a nítida impressão de que é muito melhor ser homem agora. Neste e em outros sentidos, a luta pela igualdade entre os sexos é libertadora também para os homens.

Meu pai entendia o velho dele. Mesmo com a doença dificultando seus movimentos, o pai seguia pegando o ônibus de Santa Maria para Jaguari, mais de duas horas de viagem, para passar três dias por semana com o vô. A terapia para as frustrações da infância, como sempre no caso do meu pai, vinha disfarçada em humor. Ele contava que, certa feita, tinha sete anos e meu avô era candidato a prefeito. Foram para o interior do município e lá se formou uma fila de crianças que iam chegando ao meu avô, que lhes abraçava e beijava. Meu pai viu a oportunidade e nem pensou duas vezes. Entrou na fila também. Quando chegou a sua vez, o vô o abraçou. Porém, notando de quem se tratava, soltou-o rapidamente, quase jogando-o no chão e reclamou, brusco: “ahh não guri... é tu...”.

***

Então os últimos dias trouxeram o fim do calorão o que é sempre bom e o outono aqui tem uma luz que acaricia a gente. Mesmo assim, foi um acúmulo de incômodos e contratempos, uns bens recentes, outros tão antigos que não consigo precisar quando iniciaram. Adoro meu trabalho, mas esta é uma época de afazeres burocráticos, com prazos a cumprir, o que me tira do sério, e também outros dramas inúteis a resolver. Ou para serenar o que não se pode resolver (porque depende da loucura dos outros e não da minha). Mas é difícil serenar quando se está na Roda Viva, então tudo vai ficando mais demorado do que devia. E hoje à noite só eu e o Miguel em casa, porque a mãe dele está viajando a trabalho e brinquei bastante com ele, depois o coloquei na cama. E ele pediu para eu deitar com ele enquanto via um filminho. Ele então rolou para todos os lados e me chutou e amassou o quanto pôde e até cantar cantou. Eu todo torto e já meio brabo de estar conseguindo um torcicolo e ter que acordar cedo amanhã. Depois de tanta agitação, ele foi acalmando até que, quase dormindo, me olhou bem faceiro e disse, sem motivo ou provocação, do alto dos seus três anos, feitos ontem, “Pai... eu te amo...” E me abraçou como nem sei explicar e nem quero saber do que carrego de ontem, nem quero saber de amanhã, nem nada que não seja o fato de que, hoje, a noite voa leve e serena, como um balão cruzando o céu.


quarta-feira, 28 de março de 2012

O Artista e Cantando na Chuva

Uma combinação de prazos a cumprir, filho pequeno e variadas demandas familiares me afastou do cinema nos últimos meses. Eu queria quebrar o jejum com "A invenção de Hugo Cabret". Estava marcado, mas não deu.

Ontem, depois de alguma engenharia de horários, conseguimos nos organizar. Fui assistir a "O Astista", sem esperar muito do filme. O Oscar não é nenhuma garantia de qualidade, como provam algumas porcarias retumbantes (lembram de "Titanic"?). Assim, fui com o espírito desarmado, já bastante contente por estar indo ao cinema com a Nikelen. E o resultado foi que, verdadeiramente, não gostei do filme. Me pareceu sem-gosto, com um roteiro tão fraco que nem as referências a outros filmes, nem o carisma dos atores pôde salvar. O filme simplesmente não me "pegou". Não há empatia com uma história pueril e cheia de clichês que não funcionam. Lá pelas tantas, chegava a ser constrangedor e comecei a olhar as horas no celular.

Talvez a maior referência do filme seja "Cantando na Chuva", cujo tema-enredo é quase o mesmo: um grande astro do cinema-mudo tem que se reinventar com a chegada dos filmes falados. A singela diferença é que "Cantando na Chuva" é divertido e nos prende do início ao fim. E olha que não gosto de musicais. Na verdade, eu temei não querendo ver o filme por anos a fio. Até o dia em que a Nikelen me arrastou para a frente da televisão. Foi um dos filmes em que mais ri em toda a vida. Até dos números musicais eu gostei. Já o assisti uma dezena de vezes.

A conclusão da noite foi que nem a telona nem prazer da sala de cinema valeram "O Artista" e que só o chopp e a companhia puderam salvar a noite. Talvez tivesse sido melhor ficar em casa de abrigo e moleton, abrindo um vinho para aproveitar o início do outono e assistindo "Cantando na Chuva" pela décima-primeira vez.


segunda-feira, 19 de março de 2012

Branca de Neve





Meu sobrinho, aos três anos, brincando aos meus pés, com uma motinho: 

“Aí a Banca de Neve subiu na motoca e foi pa foresta.

Aí ela encontou um caçador. A Banca de Neve tava muito baba. Furiosa!

Aí a Banca de Neve pegou uma metalhadora e..... tatatatatata...

Des-to-çô o caçador.

Aí a Banca de Neve subiu na motoca e saiu passeando. 

Aí ela viu uma casinha beeemm pequenininha [ele faz voz baixa e carinha mimosa] onde viviam os Sete Anões.

A Banca de Neve tava muito baba. Furiosa! Aí ela pegou uma metalhadora e.... tatatatatata...

Des-to-çô os Sete Anões.

Aí a Banca de Neve subiu na motoca, foi po catelo e viveu feliz pa sempe.”



sexta-feira, 2 de março de 2012

O sétimo dia




A maioria das pessoas não gosta do domingo. Para muitos, isso se deve ao fato de que é a véspera da segunda. Imagino que o caso seja mais grave para aqueles que não gostam da vida que levam durante a semana, especialmente do seu trabalho. A sexta-feira abre uma impressão de que a pausa na rotina será eterna, ela vem com uma promessa de libertação. Contudo, o domingo traz no seu horizonte o recomeço e desfaz a ilusão. Não é a toa que a melancolia de domingo é mais forte no final da tarde. É claro que existem os que não apreciam esse dia por outras razões.

Eu pertenço à minoria. Gosto do domingo e os motivos são variados. Em primeiro lugar, escolhi uma profissão que não me é demasiadamente penosa. Boa parte do meu trabalho é feito com paixão e diversão. Assim, pensar na segunda-feira não me deprime. Pelo contrário, me anima. Ao lado disso, domingo normalmente é dia de futebol e esperar pelo jogo do final da tarde é parte de um ritual feliz. Mas, sobretudo, eu gosto do caráter de inversão que esse dia tem.

Em várias culturas, através da história, a necessidade de inversão foi tipificada no calendário com pausas, ritos e festas periódicas. A matriz para essa concepção vem do ritmo cíclico da natureza, onde a maioria das coisas nasce, cresce, decai, morre e renasce sob outras formas. Há o tempo da queda e da morte, que acabou por gerar uma demarcação desses períodos nos quais a ordem do mundo é subvertida. É o caso do carnaval, surgido na cultura europeia e também é o caso do domingo. Até hoje, muitas pessoas têm práticas domingueiras que são a perfeita inversão de sua semana: acordar tarde, não trabalhar, excessos à mesa.

Penso nos lugares onde morei, e percebo que eles ritualizam de modo diferente o domingo, mas todos eles com esse caráter de inversão. E, todos eles, misturados na memória com minhas próprias vivências. No Rio Grande do Sul, o domingo é um dia repleto de silêncios, com cheiro de churrasco vindo dos quintais e som de narração de futebol ao final da tarde. No Rio de Janeiro, o domingo é colorido, luminoso, com praias cheias e almoço à meia-tarde. Na França, lembro dos domingos de primavera com os parques repletos e cochilos na grama, sob as árvores.

É sábia a passagem da mitologia judaico-cristã da criação do mundo, em que deus divide o tempo de seu trabalho em sete partes e utiliza a última para descansar. É um aviso: essa parada é necessária para que o cosmos possa renascer na nova semana. Tudo isso se aplica, igualmente, ao período de férias. Trabalhei até o último dia de janeiro. Nas minhas férias, não viajei, corri como louco resolvendo pendências no calor de Santa Maria, que consegue ser saariano em um dia e amazônico no outro. Porém, a mágica se cumpriu mesmo assim. Pactuei comigo mesmo que não leria nada de História nesse período. Pois agora o ano recomeça. Tomo um texto de História entre as mãos para preparar a primeira aula do semestre e também para dar jeito em um capítulo de livro que devo escrever. E uma energia forte e boa percorre o meu corpo. É entusiasmo. O mundo recomeça e eu me sinto renovado.