sexta-feira, 2 de março de 2012

O sétimo dia




A maioria das pessoas não gosta do domingo. Para muitos, isso se deve ao fato de que é a véspera da segunda. Imagino que o caso seja mais grave para aqueles que não gostam da vida que levam durante a semana, especialmente do seu trabalho. A sexta-feira abre uma impressão de que a pausa na rotina será eterna, ela vem com uma promessa de libertação. Contudo, o domingo traz no seu horizonte o recomeço e desfaz a ilusão. Não é a toa que a melancolia de domingo é mais forte no final da tarde. É claro que existem os que não apreciam esse dia por outras razões.

Eu pertenço à minoria. Gosto do domingo e os motivos são variados. Em primeiro lugar, escolhi uma profissão que não me é demasiadamente penosa. Boa parte do meu trabalho é feito com paixão e diversão. Assim, pensar na segunda-feira não me deprime. Pelo contrário, me anima. Ao lado disso, domingo normalmente é dia de futebol e esperar pelo jogo do final da tarde é parte de um ritual feliz. Mas, sobretudo, eu gosto do caráter de inversão que esse dia tem.

Em várias culturas, através da história, a necessidade de inversão foi tipificada no calendário com pausas, ritos e festas periódicas. A matriz para essa concepção vem do ritmo cíclico da natureza, onde a maioria das coisas nasce, cresce, decai, morre e renasce sob outras formas. Há o tempo da queda e da morte, que acabou por gerar uma demarcação desses períodos nos quais a ordem do mundo é subvertida. É o caso do carnaval, surgido na cultura europeia e também é o caso do domingo. Até hoje, muitas pessoas têm práticas domingueiras que são a perfeita inversão de sua semana: acordar tarde, não trabalhar, excessos à mesa.

Penso nos lugares onde morei, e percebo que eles ritualizam de modo diferente o domingo, mas todos eles com esse caráter de inversão. E, todos eles, misturados na memória com minhas próprias vivências. No Rio Grande do Sul, o domingo é um dia repleto de silêncios, com cheiro de churrasco vindo dos quintais e som de narração de futebol ao final da tarde. No Rio de Janeiro, o domingo é colorido, luminoso, com praias cheias e almoço à meia-tarde. Na França, lembro dos domingos de primavera com os parques repletos e cochilos na grama, sob as árvores.

É sábia a passagem da mitologia judaico-cristã da criação do mundo, em que deus divide o tempo de seu trabalho em sete partes e utiliza a última para descansar. É um aviso: essa parada é necessária para que o cosmos possa renascer na nova semana. Tudo isso se aplica, igualmente, ao período de férias. Trabalhei até o último dia de janeiro. Nas minhas férias, não viajei, corri como louco resolvendo pendências no calor de Santa Maria, que consegue ser saariano em um dia e amazônico no outro. Porém, a mágica se cumpriu mesmo assim. Pactuei comigo mesmo que não leria nada de História nesse período. Pois agora o ano recomeça. Tomo um texto de História entre as mãos para preparar a primeira aula do semestre e também para dar jeito em um capítulo de livro que devo escrever. E uma energia forte e boa percorre o meu corpo. É entusiasmo. O mundo recomeça e eu me sinto renovado.

2 comentários:

  1. Recomeçando aqui também, depois de um agradável domingo minoritário. O jogo foi ontem, mas até que é bom escutar um outro, sem compromisso de se descabelar (o que no meu caso é muito mais penoso). Aproveito pra te desejar um ótimo final de tarde. E agradecer pela escrita agradável. Grande abraço.

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