quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Coisas que eu queria fazer. E fiz!

Faz algum tempo, li este post em um blog que acabou. A autora abriu outro, também legal, mas eu gostava do nome daquele “Até aqui tudo bem! É a história de um homem que cai de um prédio. Enquanto cai, ele repete para se acalmar: até aqui tudo bem, até aqui tudo bem, até aqui tudo bem...”.

O post comenta uma lista feita pelo escritor Georges Perec, com um tema bem conhecido, as “50 coisas que eu gostaria de fazer antes de morrer.” Há coisas simples, mas há também outras improváveis e outras ainda impossíveis, lado a lado. Ir morar num hotel, ir ao Marrocos nas costas de um Camelo, conhecer Vladimir Nabokov. Leiam, vale a pena.

Com o clima de final de ano, fico sensível a tudo que diz respeito à passagem do tempo. Envelhecer não é lá uma coisa muito divertida: os cabelos caem da cabeça e nascem nas orelhas. Parece até provocação. Mas me parece melhor que a alternativa, que é a de morrer jovem.

Todavia, para que ninguém me ache muito soturno, escrevi também as minhas listas. A de coisas que eu ainda quero fazer (que não transcrevo agora). E outra, que segue, abaixo, com coisas que eu queria fazer, e fiz. Viram como não estou mal-humorado? É uma coisa boa poder elencar uns quantos sonhos realizados. Aí vão eles (naturalmente, não seguem nenhuma ordem):

- Ser professor.
- Escrever um livro.
- Viver um grande amor.
- Ser criança em uma cidade com um rio.
- Pescar um peixe grande.
- Morar em uma cidade onde eu fosse estrangeiro. E viver a rotina dessa cidade.
- Jogar uma partida de futebol com uniforme, torcida e transmissão.
- Ter um filho. E sentir que ele confia em mim.
- Morar em Porto Alegre e ir a todos os jogos do Inter no Beira-Rio.
- Saber a diferença entre normandos e saxões.
- Ver os quadros dos impressionistas.
- Há mais uma coisa, porém não declaro, porque é pornográfica. Aliás, são duas.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Meu presente de Natal




Livros. Vinhos também, talvez algum CD. Mas livros. Sobretudo livros. 

Eu ia pensando nisso hoje à tarde, tentando comprar os presentes do povo aqui de casa, nesse momento agradável que é a ante-véspera de Natal, com todas os moradores desta cidade nas lojas, dando coices e cotovelaços uns nos outros, para conseguir fazer suas compras antes que chegue o fim do mundo. Juro: se eu ouvir mais uma vez a Simone cantando a música do John Lenon, eu vou apedrejar alguém. 

Foi então que entrei em uma livraria. E fiquei o restante da tarde. E todo o resto silenciou. A verdade é que não é de hoje que as livrarias me trazem um sentimento ambíguo. De um lado, uma vontade sem tamanho de ficar ali para sempre. Sozinho, com meus amigos, com todos de quem gosto. Ler um livro quieto. Olhar tantos outros. Comentar. Porém, junto vem uma angústia tremenda. De que adianta me afundar em dívidas e ceder ao consumismo, comprando muito mais livros do que posso pagar, se meu tempo é pouco? Quando é que vou ler todos esses livros? Admiro pessoas como Charlles Campos, que organizou sua vida profissional de modo a poder ler. Eu tentei fazer também, mas alguma coisa não está dando certo.

Assim, esqueçam o que eu escrevi acima. Livros são bem-vindos, claro, mas eu quero mesmo é tempo para ler. Ler com calma, pensando no que leio, fazendo relações, imaginando, criando mundos com a leitura, afinando meu olhar sobre tudo, através dessa arte. É isso. Quem me der tempo para ler, terá me feito um presente de rei.

sábado, 17 de dezembro de 2011

17 de Dezembro - Colorado das Glórias



Na tarde de 16 de dezembro de 2006 eu caminhava com a minha mulher pelas ruas do Menino Deus. Ela não tem nenhum interesse por futebol, embora seja colorada por tradição familiar e por não gostar do Paulo Santana, desde pequenininha. 

Era meu terceiro ano em Porto Alegre e assisti a quase todos os jogos do Inter no Beira-Rio, nesse espaço de tempo. O ano "Joel" em 2004. O campeonato que nos roubaram em 2005. Quase, quase. A grande Libertadores de 2006. Comentei então com a Nika, que aquela tarde deveria ser o momento mais lindo e nervoso e terrível e maravilhoso da minha vida de torcedor. No outro dia, bem cedinho, o Inter jogaria a final do Mundial de Clubes da FIFA. Nada menos do que isso.

No entanto, eu me sentia estranhamente anestesiado. Nem expectativa, nem aflição, nem gastura no estômago. O motivo: o adversário era o Barcelona. Por que justo na nossa vez? Podia ser outro time com menos credenciais! E os caras haviam triturado os mexicanos dois dias antes, como para não deixar dúvidas. Eu tentava me conformar com a ideia de uma derrota por escore baixo.

Por uma dessas estranhas simetrias, eu estava morando em Paris quando da final da Liga dos Campeões da Europa. Fui aos arredores do Stade de France no dia da final entre Barcelona e Arsenal, com meu amigo Bernardo Buarque, que estudava torcidas de futebol no doutorado (tem gente que saber viver, né?!). Vimos cenas inacreditáveis, como um torcedor do Arsenal que tentou pular a cerca, composta por algo como lanças de ferro, e ficou espetado por uma das setas. 

A noite do dia 16 foi tranquila, vi um filme e fui dormir como se nada de especial fosse acontecer no outro dia. Às 5 da manhã, o foguetório me acordou. E meu coração começou a bater no ritmo dos rojões. As horas até o início da partida foram intermináveis. Depois, quando tudo começou, cada passe do Barcelona era um tormento. O Inter ficava na defesa e conseguia conter as investidas do Barça, que dominava do jogo, mas não tinha contundência.

No intervalo, a Nika acordou e me perguntou: quanto tá? 0x0 disse, já com uma cara de louco que não conseguia mais trair para ninguém nem para mim mesmo a esperança desmedida de que a coisa poderia acontecer de que um golzinho complicava tudo de que futebol é uma caixinha de surpresas de que nada nada nada neste mundo é impossível e tantas loucuras mais quanto meu coração conseguia pensar e o jogo passando e o Fernandão machucado que merda agora é que não vamos ganhar isso nunca o Índio sangrando volta volta Índio estamos com um a menos e o Fernandão (emblema, ícone, herói) vai ter que sair mesmo mas quem é que tem estrela e talento e calma para fazer o tal gol do tesouro agora ningúem pode ter e está em campo o Gabirú mas era só o que me faltava...

...Índio - bico para a frente - Adriano Gabiru de cabeça no meio campo - Luiz Adriano de cabeça e corre na direita - Iarlei domina Iarlei acossado por dois catalães - Iarlei pra cima deles - Iarlei deixa Pujol tropeçando nas próprias pernas - Luiz Adriano pede na direita - Iarlei para Gabiru na esquerda na entrada da área - Gabiru e Valdés - a bola passando a linha - a bola batendo na rede - Inter Inter Inter...



Minutos finais mais loucos Nikelen que não gosta de futebol chorando de feliz e de nervosa dizendo é por isso que não gosto de assitir essa coisa eu caminhando de um lado para outro ajudando o Iarlei a segurar aquela bola na bandeirinha do escanteio falta que o Ronaldinho vai bater é quase pênalti minha nossa chuta passa a dois centímetros da trave... olha o contra-ataque Ronaldinho para Iniesta dentro da área CLEMER se acabou se acabou acaba juiz desgraçado vai acabar ACABOU... O INTER É CAMPEÃO DO MUNDO... 

E não lembro nada do que aconteceu nas duas semanas seguintes.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Tlön e a História


Ando com a impressão de que a História é um gênero da literatura fantástica. Talvez um gênero bem complicado, porque lida com a verdade.

Vejam só este excerto de Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, de Borges:
 
Ahora tenia en las manos un vasto fragmento metódico de la historia total de un planeta desconocido, con sus arquitecturas y sus barajas, con el pavor de sus mitologías y el rumor de sus lenguas, con sus emperadores y sus mares, con sus minerales y sus pájaros y sus peces, con su álgebra y su fuego, con su controversia teológica y metafísica.” (Ed. Emecé, p. 23)

Não é exatamente isso o que fazemos?

Na página seguinte, alguém sugere que desistam de procurar os outros volumes da história e do mundo de Tlön, e sim que os escrevam. Calcula-se que uma geração de tlönistas deve bastar.

Parece-me bem semelhante às constelações de historiadores cartografando mundos desconhecidos.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Fundamentalismo religioso e esfera pública

Já faz algum tempo que acompanho um movimento de resistência e tomada de posição dos ateus e agnósticos nas redes virtuais. De modo militante e, por vezes, provocativo, procuram contrapor-se ao que chamam de avanço de uma religiosidade fundamentalista, vinda principalmente das chamadas igrejas neo-pentecostais, mas não só delas. Uma das polêmicas recentes se deu em torno deste texto da excelente jornalista Eliane Brum.

Demorei a me manifestar sobre o tema. Em primeiro lugar, porque não acho que eu tenha que ter posição a respeito de tudo. Aliás, se tem coisa que me dá nos nervos é uma pá de gente metida a intelectual que parece considerar que é sua missão divina opinar sobre tudo e qualquer coisa na net. Além disso, como sempre, procuro evitar a tentação de simplificar demasiadamente as coisas. E, por fim, tenho por princípio o respeito a todo sentimento e filiação genuíno das pessoas, como são muitos afetos religiosos, desde que não se transformem em base para regras sociais estendidas aos não-crentes.

Há bons estudos que fazem as perguntas certas: como e por que essas Igrejas funcionam e fazem sucesso? Entre várias respostas estão, por exemplo, o senso de comunidade e ajuda mútua que proporcionam. Certa vez, um conhecido de família evangélica me contou que, quando criança, precisaram se mudar, em busca de emprego. Na nova cidade, foram acolhidos por “gente da Igreja” a que pertenciam, o que permitiu que seu pai conseguisse um emprego e uma forma de começar a nova vida. O que, naturalmente, implicaria em novos dízimos para a Igreja.

Quando escrevo “senso” de comunidade, vou além dessas efetivas prestações materiais e incluo a própria sensação de conforto emocional oferecida pela comunidade. Uma arma potente para enfrentar a insegurança aterradora da vida. Sobretudo para aqueles que têm poucos meios de sobrevivência (embora esse nem sempre seja o público dessas Igrejas). Essa segurança emocional se apresenta também no oferecimento de uma versão simples e organizada das “regras do mundo”. Preto e branco: quem as segue, vai ao paraíso (começando por uma vida melhor aqui mesmo). Quem não segue, terá danação eterna. Os males deste mundo são causados por erros em relação a essa moral, infundidas por um ser maligno. A Igreja também oferece as armas e a ajuda para lidar contra essa fonte de males.

PORÉM, compreender nada tem a ver com gostar e concordar.

Nesse ponto, estou sintonizado com a reação de gente como eu: ateus e agnósticos. Fico apavorado quando vejo as ações coordenadas da “bancada evangélica” no Congresso contra as pesquisas com células tronco, contra a reprodução assistida, contra a união legal de pessoas do mesmo sexo. Lutamos por milênios para abrandar o sofrimento de pacientes com doenças neurológicas graves. Primeiro, para saber o que eram. Depois, para tentar dar esperança de uma vida mais autônoma, mais livre, às pessoas que sofrem desses males. E são milhões de seres humanos. Lutamos para que casais que não poderiam ter filhos pelos meios “naturais” (seja lá o que essa palavra signifique), pudessem realizar um sonho gestado a dois, às vezes acalentado por anos a fio. Para que pessoas que se amam e que teceram uma vida comum possam ter o direito de gerir o que construíram em conjunto. Essas são batalhas ainda travadas na atualidade, mas onde muito campo foi ganho.

É impossível para mim falar “de fora” desse assunto. Meu pai sofreu do Mal de Parkinson por mais de 40 anos. Ver a doença avançar inapelavelmente sobre sua mente hábil e sobre seu coração generoso não permite que eu tome outra posição. Meu filho só está comigo porque pudemos contar com a reprodução assistida. Eu sei que sou melhor por causa dele. Tenho amigos homossexuais a quem amo como irmãos. Ver a luta que precisam travar todos os dias, ataca minha alma. No mundo desenhado segundo os desígneos dos deputados evangélicos, que se dizem “emissários de deus”, gente como o meu pai deve sofrer e degenerar sem nenhuma esperança através de uma morte lenta e terrível. Nesse mundo, meu filho não estaria aqui. E meus amigos deveriam sofrer quietos a absoluta repressão de sua natureza.

Para mim, não é mais possível ficar em silêncio. O Estado que constituo como cidadão deve garantir a liberdade de credo para todos aqueles que assim o desejarem. Mas deve ser vigilante e ativo para impedir que crenças particulares coloquem freios nos avanços que a humanidade vem construindo para minorar o sofrimento e a dor. Para criar esperança.

Eu lamento que os modos de conseguir segurança e ajuda, para muitos, passem pelo dogmatismo religioso. Sei também que as devoções não dogmáticas podem, inclusive, ser fenômenos belos e interessantes. Posso concordar que assim seja, desde que isso não interfira nas formas como as leis e a organização pública se estruturam. Se for dessa forma, tudo bem que se acredite em deus, em Ísis, Osíris, em Jupter, Marduk ou no Visa. Agora, uma confissão: quando penso nos pastores que nem acreditam no que pregam e lucram milhões. Bom, aí eu realmente lamento que o inferno não exista.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Tudo bem

Este post do blog do meu amigo Vitor Simon, sobre a força das expressões cotidianas, me lembrou de uma que eu considero maravilhosa. Creio que é mais usada no Rio Grande do Sul, mas talvez me engane.


Dois conhecidos se encontram. Um deles inicia a conversa, como de praxe: e daí? 


O outro então discorre um rosário de desgraças: minha mãe morreu, meu pai está paralítico, minha irmã continua bebendo, meu filho perdeu no jogo tudo que eu tinha, perdi meu emprego, minha mulher me largou.

Depois uma pausa breve e infinita, o outro pergunta: "E no mais, tudo bem?"



Não é fantástico? Acabaram-se todos os tormentos, os tempos de caos, enunciados anteriormente.


O outro, vencido, nada mais pode dizer, senão a resposta esperada: "É... no mais, tudo bem."

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Em silêncio

Era o final do meu terceiro dia em Montevideo. Depois de uma tarde abrasadora, passada metade em livrarias e metade em um simpósio, eu e uns colegas nos preparamos para percorrer a Avenida 18 de Julio, rumo à Ciudad Vieja. Nosso destino: a confraternização final do congresso. Nada mais prosaico, para quem costuma ir a esses eventos.

Acontece que, pela avenida, ia a manifestação do dia internacional de combate à violência contra a mulher.
Como se pode supor, houve atos no mundo todo. Ali, porém, a coisa parecia diferente. Talvez porque estivesse passando ao meu lado. Bem mais de mil pessoas, talvez o dobro, vestidas de negro. Em silêncio.

À frente, mulheres carregavam velas e cruzes púrpuras onde estavam escritos os nomes de suas mães, suas filhas, suas irmãs, suas amigas que haviam morrido vítimas da violência dos homens. Naquela que é uma das avenidas mais movimentadas da capital, ouvia-se apenas o som de milhares de passos.



Eu olhava aparvalhado quando meus colegas me chamaram para dentro. Já iam com a multidão. E me deixei ir. Fui olhando o rosto das pessoas, casais, velhos, crianças. Chegamos à praça. Fez-se um ato silencioso. Um silêncio de milhares.

Uma coisa é estar em um país estrangeiro e meter-se em algo assim pela atração do exótico. Quase como um programa turístico para quem não quer se parecer com o turista convencional. Comigo não foi assim. Foi espontâneo e surpreendente. Me vi no meio daquela gente, lendo os nomes das mulheres nas cruzes. Relendo. Mirando os olhos das mulheres que as carregavam.