Meu avô contava histórias. Tomando mate, na varanda em frente à casa, nas viagens para “o campo” ou enquanto assava os churrascos de domingo. Histórias de seu pai alemão e de sua mãe cabocla. De seus irmãos sem fim. De tropeadas, de amores proibidos, de guerras tenebrosas.
Havia uma narrativa que nunca faltava. Uma epopeia no fim do mundo. Uma migração para o oeste do Paraná, em 1952. Dois meses de viagem. A floresta, onças famintas, cobras que devoravam homens inteiros. Caminhar por dois dias sem dormir, no meio do mato, para buscar um naco de carne para minha avó grávida. Depois, o fracasso da empreitada e o retorno. Ouvi essa história mil vezes, mas nunca como queixa. Sempre como aventura.
Quando menino, passava as férias na casa deles. Já adulto, gostava de ir lá tomar mate e ouvir sempre as mesmas histórias. Porque nós é que mudávamos. Então as histórias também não eram exatamente iguais.
Nas duas vezes em que a minha mãe teve filhos, passou os primeiros dias na casa do meu avô. Eu, depois meu irmão, dormíamos em um bercinho ao lado da sua cama. Quando chorávamos, era ele quem acordava e nos levava até o quarto dos meus pais, para que minha mãe, meio dormindo, nos desse de mamar.
Ele me ensinou a fazer xixi nas flores dos jardins, a dizer barbaridades para os adultos, a levar os ratos que pegava na ratoeira, pelo rabinho, e jogar nas mulheres da casa. Nunca mais me diverti tanto.
Meu avô me ensinou a montar a cavalo e a dirigir. Faço os dois mal. O primeiro por minha culpa exclusiva. Ele era um ginete. O segundo, porque o professor também não ajudava nada.
Ele amava o campo, e andar a cavalo, e camperear. Eu não era de campo. Meu irmão sim, foi o filho ue ele nunca teve. Meu avô dizia que não havia sujeito mais feliz que ele, porque amava o que fazia. De tanto ouvir isso, larguei o Direito e fui fazer História.
Pensávamos muito diferente sobre a maioria das coisas. Ele era conservador, resistia a novidades, era cabeça-dura. Mas era amoroso como ninguém. Acarinhava os netos e as filhas. Quando chegava do campo, no fim do dia, dava um jeito de dar uns amassos na minha avó, quase derrubando-a por cima da pia ou atrás das portas.
Quando o Miguel veio para casa, ele, já nonagenário, percorreu mais de 100 quilômetros para ser um dos primeiros a embalar o pequeno.
Dele herdei a boca, as feições, a forma do tórax e o costume de dormir sentado. Queria ter aprendido seu otimismo, sua gana de não se entregar nunca, sua juventude eterna. Mas a vida não é exatamente como a gente quer.
O Vô Juvenal morreu ontem, aos 92 anos. E eu sinto que acabou uma era, na minha vida.