sábado, 17 de setembro de 2011

E não há horizonte que chegue

Porque entardece e é sábado e chove levemente. Porque a tarde se esvai em cinza, mas não é que seja triste. Porque, para essas horas, é que se inventou o horizonte no sul, para olhar mateando. Porque me assombro vagarosamente e deixo o tempo chegar em mim. Porque não conhecia esta música e ela me abriu uma planície na alma e me trouxe tudo isso.


quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Just in time

Eu iria fazer 19 e ela era um ano mais nova. Nós éramos amigos e, não sei bem porque, a gente foi se aproximando. Andávamos juntos pela cidade, ouvíamos música, procurávamos abismos para ver o sol se pôr. Eu andava à deriva e ela implicava com a leviandade dos meus fins de semana. Ela andava interessada por um cara, nem lembro direito, um baixinho. Ela, linda daquele jeito, era muita coisa para ele. Contávamos quase tudo um para o outro. Falávamos dos nossos planos e o pessoal estranhava uma amizade assim entre um garoto e uma garota. Até que a presença dela passou a ir comigo a todos os lugares, mesmo quando a gente estava longe. Eu achei que aquilo iria ser muito complicado. Então decidi largar mão de ser besta e manter a amizade. Sábia decisão. Mas quem disse que eu mando em mim? Nós conversávamos, em uma noite morna, sob um céu estrelado, quando eu comecei a falar que nem um louco, e disse tudo. Nem sei qual dos dois ficou mais assustado. Faz exatamente vinte anos hoje. Se deu certo... bom... é só olhar para a minha cara na foto aí embaixo e deduzir.



domingo, 4 de setembro de 2011

A Legalidade, meus brinquedos e um punhado de batatas fritas


Congressos acadêmicos são comuns na vida dos historiadores. Assim, não havia nenhum assombro em acordar bem cedo, juntar as coisas e entrar em um carro com mais três colegas, 300 quilômetros rumo ao sul, para um evento na Universidade Federal de Pelotas. Durante o dia, tudo dentro do previsto: comprei doces depois do almoço e a tarde transcorreu com uma mesa-redonda em que estive acompanhado por outros dois pesquisadores.

Porém, à noite, eu faria uma das conferências, cujo tema, muito acadêmico, eram as pesquisas de história social sobre o sul do Brasil no século XIX. Acontece que, na mesma seção, falaria sobre o Movimento da Legalidade não um pesquisador, mas Sereno Chaise, ex-governador do estado e que era deputado ao tempo do movimento. Não são poucos os textos que trazem reflexões sobre a diferença de posição dos protagonistas da história e dos estudiosos que não viveram aqueles tempos. Em ambos os casos, há vantagens e problemas na hora de analisar um processo histórico, mas não há dúvida que os discursos, as explicações e as narrativas produzidas serão feitas de matéria distinta. Para minha sorte, eu não iria falar sobre a Legalidade e sim sobre gente que já havia morrido há mais de 100 anos e que nem eu, nem meu companheiro de mesa, havíamos conhecido. Porém, para mim, a experiência era impar.

Se alguém ainda não sabe, o Movimento da Legalidade foi deflagrado em 1961, quando da renúncia do presidente Jânio Quadros. O vice-presidente, João Goulart (PTB), estava em missão na China. Os ministros militares comunicaram que ele não poderia assumir e que, se o tentasse, seria preso ao desembarcar em solo brasileiro. Leonel Brizola,  governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Goulart, organizou a resistência da Legalidade, requisitou a aparelhagem da rádio Guaíba e entrincheirou-se na sede do governo estadual, o palácio Piratini, em Porto Alegre, junto com correligionários e protegido pela Brigada Militar do RS. Na praça da matriz, em frente ao palácio, milhares de pessoas faziam vigília em apoio ao movimento. No lance mais espetacular, a base aérea de Canoas (RS) recebeu ordem para bombardear o palácio Piratini, dando início a uma guerra civil. Porém, os oficiais aviadores não conseguiram decolar porque os sub-oficiais e sargentos sabotaram os aviões e protagonizaram uma insurreição. O movimento ganhou força quando o comando do 3º. Exército, sediado no sul, aderiu a ele. Quando o presidente João Goulart chegou a Porto Alegre, anunciou sua decisão de aceitar uma solução conciliatória, um parlamentarismo que lhe retirava o poder efetivo. A multidão na praça frustrou-se e há quem diga que Brizola e Jango brigaram feio. De qualquer modo, foi um dos momentos marcantes da história da democracia brasileira.

Pois Sereno Chaise era deputado estadual e, possivelmente, o amigo mais próximo de Brizola, estando sempre ao lado dele naqueles tempos. Eu não tenho qualquer simpatia por políticos. Tendo sempre a desconfiar deles. E também não concordo com a antiga corrente historiográfica que via nos fatos e personagens políticos o único objeto de interesse da História. Porém, após quase duas horas ao lado de Sereno, ouvindo-o falar e responder perguntas, chegou a minha vez. Eu deveria expor minhas reflexões sobre o longínquo século XIX. Confesso que me senti como um menino que fora convidado a falar a todos sobre seus brinquedos. Até acho que não cometi nenhum disparate, porque o público ficou até o fim. A verdade é que gostei de ouvir aquele homem dizer, aos 83 anos de uma vida cheia, que tivera muitas dúvidas e que ainda as tinha. Ele dissera que não conseguia julgar as decisões tomadas por Brizola, por Jango. Quem sabe o que vem depois? Afinal, ninguém pode prever o futuro. Mas é preciso posicionar-se.  Ali estava algo que ficou no fundo do meu pensamento mesmo depois da fala. Desejei muito que alguns historiadores, cientistas sociais e militantes políticos ouvissem aquilo. Desmontaria muito do mecanicismo e teleologia em algumas formas de ver a História. Eu quero distância de governantes e historiadores que não tenham dúvidas.

Tudo isso seguiu comigo mesmo depois, quando fui jantar com colegas e encontrar amigos e rir a valer. No outro dia, voltamos viajando de carro pelas vastidões dos campos da serra do sudeste, mateando e conversando fiado. Por insistência aventureira do meu compadre José Iran, deixamos a estrada e nos metemos em Santana da Boa Vista, que faz jus ao nome. Comemos uma a la minuta. Estava com muita fome, então meu julgamento está comprometido, mas gostei de comer batatas fritas com gosto verdadeiro, sem essa padronização horrorosa que deixa qualquer petisco de boteco com gosto de Mac Donalds. Recomendo. Fica em frente à praça, em diagonal com o clube.