sábado, 23 de julho de 2011

O terror ocidental

Fonte da foto: http://www.portugues.rfi.fr/geral/20110722-estados-unidos-e-europa-condenam-explosoes-em-oslo



Eu sempre hei de me lembrar daquela manhã remota de 11 de setembro de 2001. Era meu aniversário, eu tinha aula à noite e a prepararia à tarde. Assim, fui à academia pela manhã. Quando comecei a correr na esteira, vi que todos prestavam atenção à TV. E que um edifício fumegava. Em menos de dez segundos, um avião entrou no prédio ao lado.
Como historiador, fui chamado a falar em um programa de rádio, dei entrevista para um jornal e dei várias palestras para professores e alunos da educação básica. O tom era sempre o mesmo. Buscava explicar que nosso imaginário havia sido condicionado a associar três palavras que não estavam, essencialmente, articuladas entre si: árabe, muçulmano e terrorista. O problema principal é que, cada vez que se falava uma dessas palavras, as outras apareciam junto. Explicava que nem todo árabe é muçulmano, assim como nem todo muçulmano é árabe. E, naturalmente, nem todo terrorista é árabe e muçulmano. Falava do terrorismo ocidental e católico. Do IRA, do ETA. Argumentava o quão pernicioso é esse discurso que cria um estereótipo que nubla nossa visão e institui preconceito, ignorância e ódio.
Fazia, também, o histórico das agressões das potências ocidentais ao Oriente. Tentava analisar o terrorismo como um contra-ataque, nem por isso menos terrível, a uma contínua ação assassina do Ocidente.
Não sei o quanto minhas palavras podem ter composto a matéria das reflexões que meus ouvintes construíram sobre o assunto. Mas tenho certeza que uma das funções do estudo da História é mostrar como as coisas são mais complexas e não devem ser encaradas com simplificações construídas para nos enganar.
Neste momento em que escrevo, ainda não há como ter certeza, mas os indícios apontam que os assassinatos terroristas perpetrados na Noruega vieram de um radical de extrema-direita. Branco, louro, de olhos azuis, cristão e europeu.
Esse terrível episódio, como todos, também tem fundas raízes históricas. Na construção de impérios europeus sobre África e Ásia a partir do século XIX. Na expansão de um sistema capitalista que, agora, empurra levas de migrantes de pele escura em busca de uma vida melhor no hemisfério norte. No ódio “racial” e social que sempre foi o sangue que alimentou o monstro da extrema-direita.
Além de tudo, essa tragédia é a concreta exemplificação da falsidade dos discursos construídos no ocidente, que buscaram associar o terror apenas ao “outro” e construir a si mesmo, em contrapartida lógica, como a parte mais evoluída, mais capaz e mais civilizada da humanidade.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Voltando para New Orleans. Dia Mundial do Rock

A origem de "The House of the Rising Sun" é controversa e há quem diga que deriva de antigas canções medievais inglesas. Ao menos, isso parece ter sido assumido pelo "The Animals", quando construíram essa versão emblemática, que começa justamente lembrando uma canção de bardo. 
Quem não conheça o grupo e escute a música inadvertidamente, talvez imagine um vocalista com longos cabelos a cair sobre os ombros, roupas colantes e negras, postura agressiva, quase mística. Ao ver o vídeo da gravação original, talvez fique fascinado pelo surrealismo que vem a nós, no século XXI, ver esses meninos que lembram aos desavisados um visual meio-beattles meio tripulação da Entreprise. Todos seus contemporâneos.
Mas atente para o prenúncio do progressivo, para a virtuose do teclado, para a força do vocal.



A música, porém, não parou aí e teve muitas outras versões. De todas, destaco uma que de tão bela, alcançou para mim o status de verdadeira maravilha. Ela tem vida própria. Nos leva direto aos sons negros, doloridos e poderosos de New Orleans, cuja beleza e tragédia está na letra. E é com Nina, em uma configuração estética de quadro pintado figurando o jazz. Com outra virtuose no piano. Com sua voz que me toca na pele.


De onde nasceu e como foi temperado o rock? Tornou-se matéria de protesto, de erotismo, de dor e beleza. Do sul faulkneriano dos Estados Unidos. Do norte industrial da Inglaterra. Da Idade Média. Da África sem tempo. Feliz Dia Mundial do Rock. 

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Amigos Perdidos - I

Onde está Vitor Simon?
Hoje fui levado por um vagalhão daquilo que o Quintana chamara de "marés montantes do passado". Cometi a imprudência de abrir uma pasta que eu mesmo havia etiquetado, sei lá quando, com a palavra "memória". Fui abrindo papéis com textos e textos e textos. A maioria meus. Da adolescência ou pouco depois. Uma pá de coisa para me envergonhar. Outras mais a estranhar. Escritas por um sujeito que pouco reconheço. O que já era de se esperar, afinal, quase uma vida passou.
Mas, no meio das minhas coisas, lá estavam algumas páginas esporádicas com outra letra. Eram contos e poemas do meu amigo Vitor Simon. Queríamos ser escritores. Trocávamos esses papeluchos eventualmente, para apreciação crítica ou simplesmente para nos comunicarmos.
Eu tinha amigos mais próximos. Eu era um sujeito espalhado. Ele também tinha muitos outros amigos, mesmo sendo bem alemão. Mas, lendo os textos, percebi que gostava muito das nossas conversas. Ganhei dele as Iluminuras, do Rimbaud. "Para ler entre um aniversário e outro", está no cartão.
Do nada, me veio a perfeita percepção de que gostaria de tomar uma cerveja e ter longa conversa com o Vitor. Saber se ainda escreve. Trabalha no que? Se tem filhos, se vive com quem ama. Que coisas andou vendo nesse tempo todo. Meu bom-senso imediatamente me lembrou que amigos assim, afastados há década e meia, melhor é que não se encontrem. Sempre são melhores na memória. Já tive uma experiência triste que deveria ter me vacinado definitivamente contra isso.
Mas, sabe como é, uma das minhas características mais notáveis é que, vez por outra, costumo meter os pés pelas mãos. 
Então escrevo este post, como uma garrafa ao mar.
E sou tão desajuizado, que talvez transforme isso numa série.
Eu sou um desastre.