quarta-feira, 30 de março de 2011

Amanhã

Os aniversários dos homens da minha família compartilham uma desagradável coincidência.Todos se dão em dias marcados por terríveis eventos políticos. Eu nasci em 11 de setembro, um ano antes do golpe que assassinou Allende e instaurou a ditadura de Pinochet, no Chile. Além disso, desde o episódio das torres gêmeas, toda vez que tenho que declarar minha data de nascimento em qualquer repartição ou mesa de crediário, tenho que aguentar "hummms e aahhhhss" por parte dos funcionários que, até então, nem tinham me olhado na cara. 

Meu pai nasceu em 24 de agosto. Em seu aniversário de 9 anos, o presidente Getúlio Vargas cometeu suicídio. Acontece que meu avô era um ferrenho opositor a Vargas, havia até sido prefeito da cidade. Meu pai contava que haviam passado a semana a fazer doces e preparativos diversos para sua festa de aniversário. Vamos combinar: não existe nada mais importante do que o aniversário da gente, quando se tem essa idade. Porém, dadas as circunstâncias políticas, meu avô cancelou a festa. Mesmo sem qualquer sinal de comemoração, um vereador do PTB conclamou a população para apedrejar a casa do meu avô. Meu pai nunca perdoou Getúlio.

Meu filho faz 2 anos amanhã, aniversário também do golpe militar de 64. Se eu acreditasse em superstições, pensaria que minha família tem caminhos cruzados com a grande política e com os rumos do mundo. Mas não sou nem crente, nem tão presunçoso. O único efeito palpável que essa história toda traz para mim é que, desde que comecei a me interessar profissionalmente por história, o 31 de março era um dia que me causava tristeza e revolta. Um dia de protesto. Isso ainda está presente mas, desde 2009, as coisas mudaram um pouco. Amanhã, os horrores e o silêncio tétrico da ditadura virão à minha mente. Mas, antes e durante e para além deles, eu estarei feliz. Porque, agora, outras são as imagens associadas a esse dia: Miguel vencendo as mais incríveis batalhas, Miguel vindo para casa, Miguel no meu colo, Miguel dando os primeiros passos. Miguel vindo nos abraçar, durante a tarde. O Miguel e a Nika. Miguel dizendo as primeiras palavras. E logo as segundas. E tantas outras. O Miguel descendo no escorregador de tubo. O Miguel aprendendo a arte e a ciência de comer pitangas.  Eu e o Miguel jogando bola. E a grama, as árvores e o sol da manhã. E tudo que há de bom.


 

14 comentários:

  1. Miguel famoso:

    http://sul21.com.br/jornal/2011/03/amanha/

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  2. Só esqueci de dizer que, se puxei, é porque gostei. Muito.

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  3. Haha! Valeu Milton! A família fica orgulhosa!

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  4. Comassim conclamou a apedrejar a casa? E as pessoas apedrejaram?

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  5. Caminhante
    Há versões diferentes. A mais heróica dela descreve que algumas pedras voaram que o pessoal se preparava para incdiá-la quando meu avô saiu à frente da casa e conversou com o líder, e as coisas amainaram. Não acredito que tenha sido assim mas, no fim, parece não ter havido danos, ainda que, dentro da casa, a família tenha sentido genuíno pavor.
    Foram bem comum essas manifestações. Em várias cidades do Brasil houve graves depredações contra casas e estabelecimentos comerciais de opositores a Vargas, pois teriam "assassinado Getúlio".

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  6. Que bom que a gente pode conviver com diferentes níveis de envolvimento e fazer nossos próprios símbolos né?! Bonito o Miguel, ainda mais se ele pode alegrar tudo pra vocês!

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  7. Eu ainda tenho guardado na memória o dia de 31 de março de 2009. Foi a vitória do amor.
    E, assim como para você e a Nika (e acredito que para tantos outros participantes do segundo ou terceiro escalão dessa história), todas as lembranças tristes, históricas ou não, foram suplantadas pela chegada do Miguel.
    Um beijo grande para toda a família. Um afago especial ao meu afilhado.

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  8. Obrigado Carla. Concordo contigo!

    Comadre Pri, vcs são do primeiro escalão. Estiveram sempre junto.

    Bjos.

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  9. Só tive que chorar com este último parágrafo..
    A alegria, a paz, a imensa satisfação, o prazer de ver uma criança feliz, e em nossas casas.. isso faz realmente refletirmos sobre o que somos e o que mundo queremos para estas crianças? Ok, divaguei. Mas, enfim, lindo o texto. Parabéns ao Miguel amanhã!!
    Beijos,
    Daiane.

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  10. Compadre, fiquei emocionada. Para mim o Miguel já chegou como simbolo de coragem e vontade de viver. Sei o que vc sente pq sei o quanto essas criaturinhas melhoram tudo nas nossas vidas. Até o mundo, que em alguns dias é horrendo, fica lindo e perfeito com eles. Adorei e obrigada por me proporcionar essa emoção de começo de tarde, no meio do trabalho. Quase pago mico, chorando, na sala cheia. bjão nos 3.

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  11. O Migue, hein? Com esta idade já sabe comer pitanga! Confesso que eu demorei mais.

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  12. Parabéns pelo aniversario do Miguel, é bom ter o que comemorar em um 31 de março....

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  13. Engraçado: vc acaba de dar a linha de uma reflexão que venho intuíndo desde o nascimento dos meus filhos. Antes, a História _ todas as suas miudezas perniciosas que acabavam se interferindo em meu dia_, me tocavam bastante. Sempre fui um porra loca de um reacionário, cabelos compridos, autodidata (para combater o falso didatismo da escola e universidade), barba, e a convicção retrógrada de não abaixar a cabeça. As pequenas coisas me afetavam desde a infância. Mas veio o Eric, depois a Júlia, e descobri que a família nos protege contra a História. Uma vez li: "bebo contra a História." Não é a atitude mais certeira.

    O melhor, Farinatti, é que o que realmente existe é o 31 de março do nascimento do Miguel, nada mais. As outras coisas são fogos fátuos.

    Parabéns pro Miguel. O cara é lindo! E parabéns pra vc e para a Nikelen. Já estou vendo a grande figura humana em que o guri vai se tornar com uns pais assim.

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  14. Obrigado a todos!
    Charlles: fiquei pensando no que escreveste. Como sempre.

    Jana: ele come muito bem, mas diz "picanga"

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