sábado, 21 de maio de 2011

Possíveis propostas do 15M na Puerta del Sol

As manifestações que ocorrem por toda a Espanha e que ganharam emblema na "Puerta del Sol", em Madri, são movimentos vivos e de destino imprevisível. Os céticos apontam que se trata de um modismo ditado pelas redes virtuais e que, quando a chama do fogo de artifício se esgotar, os manifestantes voltarão para casa sem mais recordações do que fotos espirituosas tiradas em meio à multidão. De sua parte, os entusiastas apontam essa como a porta de entrada para um novo tipo de prática, de uma renovada democracia, que indica efetivamente novos tempos. Daí o emblema escolhido sem qualquer acaso "Porta do Sol". Prever o futuro é coisa que historiador não arrisca, porque conhece a história o suficiente para saber que há tantos fatores em jogo que é impossível para qualquer analista contemporâneo ter as informações suficientes para traçar uma projeção segura, embora cartomantes, videntes e economistas sejam useiros e vezeiros desse tipo de jogo de adivinhação social.

http://periodismohumano.com/sociedad/aqui-esta-ocurriendo-algo-grande.html
Ainda assim, não há dúvida que as manifestações não podem ser ignoradas e precisam, no mínimo, ser entendidas como um recado, como um sintoma, como a emergência de algo já existente que exige ser visto por quem tiver olhos para ver, o que é, aliás, o próprio sentido da palavra "manifestação".
Tenho acompanhado com curiosidade e interesse esses eventos. Indo a este link pode-se ter acesso a algumas das propostas tiradas na imensa assembléia da Puerta del Sol.
Fiquei tentado a comentá-los, mesmo correndo riscos, pois não tenho ideia se esses pontos foram mesmo tirados em efetiva assembleia, nem tenho como conhecer as formas de representação real dentre os manifestantes. Quem sabe estarei comentando sobre algo já pronto, feito por meia dúzia de pessoas pretendendo posar de vanguarda de um movimento que parece bastante impessoal. Mas acho que não é esse o caso e vamos lá, assim mesmo.
A plataforma parece ter forte revivescência social-democrata, o que é já um reconhecimento de que o dito partido de centro-esquerda espanhol (PSOE) não tem conseguido desempenhar um papel a contento, pois as revoltas dirigem-se, em parte, contra o bi-partidarismo (PP x PSOE). A grande crise econômica iniciada em 2008 aparece claramente na proposta de estatização de toda a instituição financeira que tiver que se socorrer nos cofres públicos (BRAVO!). Há pontos mais gerais, como a exigência do compromisso com a educação e a saúde públicas. E também pontos específicos como os que tratam da pretendida reforma eleitoral.
A plataforma anti onda liberal aparece também na demanda pela recuperação de empresas públicas privatizadas e no pedido de regulação estatal real das relações de trabalho. Ou seja, na contra-mão de toda a catilinária sobre “flexibilização” das leis trabalhistas exigidas pelo deus do mercado a quem todos os países devem servir sob pena de serem excomungado da “sagrada” competição mundial. A atenção aos cidadãos cuja vida vem sendo precarizada está explícita na referência à lei de dívidas e hipotecas.
Aparece a pontuação de que é chegado o momento em que não se suporta mais ter que dar soluções individuais para problemas que são gerados socialmente.
Encontram-se, também, propostas sintonizadas com o movimento “verde” e com o contexto da União Europeia e das migrações. Elas aparecem, entre outras, na exigência do fechamento das usinas nucleares e promoção de novas formas de energia renováveis e gratuitas. Também na demanda por livre circulação de pessoas. A lamentável participação espanhola nas ações da OTAN tem resposta em uma utópico mas belo manisfesto pelo fechamento das fábricas de armamentos e pelo grito pacifista de “não à guerra”.
A história é também evocada em vários momentos. De uma parte, quando se exige educação laica, em um país onde a sombra sinistra do Santo Ofício ainda se faz sentir com tanta força. O artigo 15, que propõe a recuperação da memória história da luta pela democracia na Espanha, vitimada pelo franquismo por tantas décadas no século XX, é uma estocada certeira onde se busca empregar a evocação histórica como arma.
Por fim, ao invés de uma festividade desordenada e carnavalesca, o que essas demandas parecem mostrar é uma profunda crença no Estado e na democracia com promotores de um mundo menos absurdo, ainda que sob formas renovadas de busca de participação e controle dos cidadãos sobre e por dentro desse sistema. Do contrário, não teríamos pedido por reformas eleitorais e mais regulação estatal na economia, na educação, na saúde e na regulamentação das leis do trabalho.
Enfim, pode ser que nada disso represente o movimento que, desculpem-me mas não há palavra melhor, ainda está mesmo em movimento e parece heterogêneo e bastante difuso. Ainda assim, essas propostas, se realmente refletirem de algum modo o sentimento geral, estão ecoando a profunda insatisfação de toda uma geração contra as promessas não cumpridas não apenas da social-democracia, mas sobretudo do receituário neo-liberal, do pensamento de que “não há outro jeito”. Outros modos se inventam e os que apostam em qualquer tipo de paralização ou “fim” da história sempre me parecem mais lunáticos dos que os que, por mil motivos diferentes, erguem suas vozes, de uma forma ou de outra, para declarar que do jeito que está não pode continuar e que sempre é possível inventar novos modos de ser.

2 comentários:

  1. Pois estou me deixando maravilhar pelo que está acontecendo não só na Espanha, como em diversos outros países da Europa,nesse momento de insurgências populares. Às vezes não dá para prestarmos atenção ao conhecimento histórico, tão carregado de anticlímax,e nos pomos a "acreditar". Foi a revolução Húngara que motivou a Arendt a escrever seu grande livro Sobre a Revolução.

    Apenas torço para que isso se espalhe e chegue ao Brasil. Seria admirável ver uma manifestação nacional onde não se louvasse nenhum partido e nenhum governante, como se está fazendo na Espanha, mas colocando a questão social e os interesses do povo acima de tudo.

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  2. Concordo totalmente, Charlles. E adorei teu post a respeito.

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