Eu tinha dez anos quando ataquei um padre com um paradoxo.
Eu cursava o tal catecismo, para poder fazer a primeira comunhão. Eu ia à missa, às vezes, levado pela minha avó, que era muito católica, filha de imigrante italiano. Aí chegou a hora de fazer a confissão. Sim, porque para comungar com a glória de Cristo é preciso, primeiro, reconhecer os próprios pecados, pagar penitência e ser absolvido deles.
Eu tinha um pouco de medo daquele negócio de confessionário, a pessoa de joelhos falando para uma cortina. Sabe-se lá quem estava do outro lado. Talvez prevendo reações como a minha, o padre João mudou a estratégia e resolveu confessar os neófitos na sacristia, sentado em uma cadeira, frente a frente com ele. Acho que o padre João era boa gente, porque andava com a camisa do Inter e jogava bola no campinho.
Eu entrei, sem ter ideia do que dizer. Então ele me perguntou se eu tinha algum pecado. Pensei e disse: eu brigo com o meu irmão. Só isso? Perguntou ele. Daí pensei mais um pouco: ah... e às vezes eu minto.
Hum... Só isso? É, eu respondi. Ele ficou me olhando por um instante.
Mas às vezes tu mente? Sim, às vezes eu minto.
Novo silêncio. Ele sem saber direito como sair da situação. Tá mentindo agora? Não, respondi.
Mas às vezes tu mente, né? (Eu comecei a me divertir de verdade). Sim, falei devagar, às vezes eu m-i-n-t-o. Ele olhou para os lados de novo. Era bonito ver como lutava. Não queria se dar por vencido. Até que não aguentou.
Mas às vezes tu mente, né? (Eu comecei a me divertir de verdade). Sim, falei devagar, às vezes eu m-i-n-t-o. Ele olhou para os lados de novo. Era bonito ver como lutava. Não queria se dar por vencido. Até que não aguentou.
- Bá... então tá... reza dois pais-nossos e te arranca daqui!
Hahahaha. Fez-me lembrar da minha primeira comunhão. Eu era o último de uma imensa fila de meninos, e estava tremendo de medo. Quando chegou a minha vez, eu não tinha a mínima ideia do que confessar. Eu sempre fui tremendamente imaturo nessa função de me auto-policiar. O padre, muito apressado, me alivio do meu martírio. Olhou para mim_ o ultimo_ e disse: "tá bem, você mentiu, infernizou a vida de sua mãe, encheu teu pai de preocupações, etc, etc, etc. Reze 20 Padres Nossos e 10 Ave Marias".
ResponderExcluirFalar nisso, estou com um livrinho aqui que mexe com meu lado incréu. Por que não sou cristâo, o clássico do Bertrand Russel. Muito instrutivo, tanto de um lado quanto de outro. Critica avidamente a hipocrisia católica, mas revela o quanto a elite cerebral da Razão e da Ciência são constrangedoramente incapazes de pensar o Absurdo, transcender a ortodoxia acadêmica.
Hehe... padre experiente é outra coisa. Não li esse do Russel. Me animas a procurá-lo. Essa questão do absurdo, da falta completa de ordem que parece haver na imanência tem me assombrado cada vez mais.
ResponderExcluirMuito bom recordar essas cenas de confessionário. E procurar fazer literatura disso, principalmente.
ResponderExcluirTá faltando Igreja na literatura brasileira contemporânea. Tá faltando culpa, safadeza católica e gozo religioso inclusive.
O que aconteceu com a literatura brasileira que fez o mundo da religiosidade católica sair de cena?
Novamente, lembrei da descrição da procissão reprimida e orgiástica de Memorial do Convento.
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