quarta-feira, 28 de março de 2012

O Artista e Cantando na Chuva

Uma combinação de prazos a cumprir, filho pequeno e variadas demandas familiares me afastou do cinema nos últimos meses. Eu queria quebrar o jejum com "A invenção de Hugo Cabret". Estava marcado, mas não deu.

Ontem, depois de alguma engenharia de horários, conseguimos nos organizar. Fui assistir a "O Astista", sem esperar muito do filme. O Oscar não é nenhuma garantia de qualidade, como provam algumas porcarias retumbantes (lembram de "Titanic"?). Assim, fui com o espírito desarmado, já bastante contente por estar indo ao cinema com a Nikelen. E o resultado foi que, verdadeiramente, não gostei do filme. Me pareceu sem-gosto, com um roteiro tão fraco que nem as referências a outros filmes, nem o carisma dos atores pôde salvar. O filme simplesmente não me "pegou". Não há empatia com uma história pueril e cheia de clichês que não funcionam. Lá pelas tantas, chegava a ser constrangedor e comecei a olhar as horas no celular.

Talvez a maior referência do filme seja "Cantando na Chuva", cujo tema-enredo é quase o mesmo: um grande astro do cinema-mudo tem que se reinventar com a chegada dos filmes falados. A singela diferença é que "Cantando na Chuva" é divertido e nos prende do início ao fim. E olha que não gosto de musicais. Na verdade, eu temei não querendo ver o filme por anos a fio. Até o dia em que a Nikelen me arrastou para a frente da televisão. Foi um dos filmes em que mais ri em toda a vida. Até dos números musicais eu gostei. Já o assisti uma dezena de vezes.

A conclusão da noite foi que nem a telona nem prazer da sala de cinema valeram "O Artista" e que só o chopp e a companhia puderam salvar a noite. Talvez tivesse sido melhor ficar em casa de abrigo e moleton, abrindo um vinho para aproveitar o início do outono e assistindo "Cantando na Chuva" pela décima-primeira vez.


segunda-feira, 19 de março de 2012

Branca de Neve





Meu sobrinho, aos três anos, brincando aos meus pés, com uma motinho: 

“Aí a Banca de Neve subiu na motoca e foi pa foresta.

Aí ela encontou um caçador. A Banca de Neve tava muito baba. Furiosa!

Aí a Banca de Neve pegou uma metalhadora e..... tatatatatata...

Des-to-çô o caçador.

Aí a Banca de Neve subiu na motoca e saiu passeando. 

Aí ela viu uma casinha beeemm pequenininha [ele faz voz baixa e carinha mimosa] onde viviam os Sete Anões.

A Banca de Neve tava muito baba. Furiosa! Aí ela pegou uma metalhadora e.... tatatatatata...

Des-to-çô os Sete Anões.

Aí a Banca de Neve subiu na motoca, foi po catelo e viveu feliz pa sempe.”



sexta-feira, 2 de março de 2012

O sétimo dia




A maioria das pessoas não gosta do domingo. Para muitos, isso se deve ao fato de que é a véspera da segunda. Imagino que o caso seja mais grave para aqueles que não gostam da vida que levam durante a semana, especialmente do seu trabalho. A sexta-feira abre uma impressão de que a pausa na rotina será eterna, ela vem com uma promessa de libertação. Contudo, o domingo traz no seu horizonte o recomeço e desfaz a ilusão. Não é a toa que a melancolia de domingo é mais forte no final da tarde. É claro que existem os que não apreciam esse dia por outras razões.

Eu pertenço à minoria. Gosto do domingo e os motivos são variados. Em primeiro lugar, escolhi uma profissão que não me é demasiadamente penosa. Boa parte do meu trabalho é feito com paixão e diversão. Assim, pensar na segunda-feira não me deprime. Pelo contrário, me anima. Ao lado disso, domingo normalmente é dia de futebol e esperar pelo jogo do final da tarde é parte de um ritual feliz. Mas, sobretudo, eu gosto do caráter de inversão que esse dia tem.

Em várias culturas, através da história, a necessidade de inversão foi tipificada no calendário com pausas, ritos e festas periódicas. A matriz para essa concepção vem do ritmo cíclico da natureza, onde a maioria das coisas nasce, cresce, decai, morre e renasce sob outras formas. Há o tempo da queda e da morte, que acabou por gerar uma demarcação desses períodos nos quais a ordem do mundo é subvertida. É o caso do carnaval, surgido na cultura europeia e também é o caso do domingo. Até hoje, muitas pessoas têm práticas domingueiras que são a perfeita inversão de sua semana: acordar tarde, não trabalhar, excessos à mesa.

Penso nos lugares onde morei, e percebo que eles ritualizam de modo diferente o domingo, mas todos eles com esse caráter de inversão. E, todos eles, misturados na memória com minhas próprias vivências. No Rio Grande do Sul, o domingo é um dia repleto de silêncios, com cheiro de churrasco vindo dos quintais e som de narração de futebol ao final da tarde. No Rio de Janeiro, o domingo é colorido, luminoso, com praias cheias e almoço à meia-tarde. Na França, lembro dos domingos de primavera com os parques repletos e cochilos na grama, sob as árvores.

É sábia a passagem da mitologia judaico-cristã da criação do mundo, em que deus divide o tempo de seu trabalho em sete partes e utiliza a última para descansar. É um aviso: essa parada é necessária para que o cosmos possa renascer na nova semana. Tudo isso se aplica, igualmente, ao período de férias. Trabalhei até o último dia de janeiro. Nas minhas férias, não viajei, corri como louco resolvendo pendências no calor de Santa Maria, que consegue ser saariano em um dia e amazônico no outro. Porém, a mágica se cumpriu mesmo assim. Pactuei comigo mesmo que não leria nada de História nesse período. Pois agora o ano recomeça. Tomo um texto de História entre as mãos para preparar a primeira aula do semestre e também para dar jeito em um capítulo de livro que devo escrever. E uma energia forte e boa percorre o meu corpo. É entusiasmo. O mundo recomeça e eu me sinto renovado.