sábado, 21 de maio de 2011

Possíveis propostas do 15M na Puerta del Sol

As manifestações que ocorrem por toda a Espanha e que ganharam emblema na "Puerta del Sol", em Madri, são movimentos vivos e de destino imprevisível. Os céticos apontam que se trata de um modismo ditado pelas redes virtuais e que, quando a chama do fogo de artifício se esgotar, os manifestantes voltarão para casa sem mais recordações do que fotos espirituosas tiradas em meio à multidão. De sua parte, os entusiastas apontam essa como a porta de entrada para um novo tipo de prática, de uma renovada democracia, que indica efetivamente novos tempos. Daí o emblema escolhido sem qualquer acaso "Porta do Sol". Prever o futuro é coisa que historiador não arrisca, porque conhece a história o suficiente para saber que há tantos fatores em jogo que é impossível para qualquer analista contemporâneo ter as informações suficientes para traçar uma projeção segura, embora cartomantes, videntes e economistas sejam useiros e vezeiros desse tipo de jogo de adivinhação social.

http://periodismohumano.com/sociedad/aqui-esta-ocurriendo-algo-grande.html
Ainda assim, não há dúvida que as manifestações não podem ser ignoradas e precisam, no mínimo, ser entendidas como um recado, como um sintoma, como a emergência de algo já existente que exige ser visto por quem tiver olhos para ver, o que é, aliás, o próprio sentido da palavra "manifestação".
Tenho acompanhado com curiosidade e interesse esses eventos. Indo a este link pode-se ter acesso a algumas das propostas tiradas na imensa assembléia da Puerta del Sol.
Fiquei tentado a comentá-los, mesmo correndo riscos, pois não tenho ideia se esses pontos foram mesmo tirados em efetiva assembleia, nem tenho como conhecer as formas de representação real dentre os manifestantes. Quem sabe estarei comentando sobre algo já pronto, feito por meia dúzia de pessoas pretendendo posar de vanguarda de um movimento que parece bastante impessoal. Mas acho que não é esse o caso e vamos lá, assim mesmo.
A plataforma parece ter forte revivescência social-democrata, o que é já um reconhecimento de que o dito partido de centro-esquerda espanhol (PSOE) não tem conseguido desempenhar um papel a contento, pois as revoltas dirigem-se, em parte, contra o bi-partidarismo (PP x PSOE). A grande crise econômica iniciada em 2008 aparece claramente na proposta de estatização de toda a instituição financeira que tiver que se socorrer nos cofres públicos (BRAVO!). Há pontos mais gerais, como a exigência do compromisso com a educação e a saúde públicas. E também pontos específicos como os que tratam da pretendida reforma eleitoral.
A plataforma anti onda liberal aparece também na demanda pela recuperação de empresas públicas privatizadas e no pedido de regulação estatal real das relações de trabalho. Ou seja, na contra-mão de toda a catilinária sobre “flexibilização” das leis trabalhistas exigidas pelo deus do mercado a quem todos os países devem servir sob pena de serem excomungado da “sagrada” competição mundial. A atenção aos cidadãos cuja vida vem sendo precarizada está explícita na referência à lei de dívidas e hipotecas.
Aparece a pontuação de que é chegado o momento em que não se suporta mais ter que dar soluções individuais para problemas que são gerados socialmente.
Encontram-se, também, propostas sintonizadas com o movimento “verde” e com o contexto da União Europeia e das migrações. Elas aparecem, entre outras, na exigência do fechamento das usinas nucleares e promoção de novas formas de energia renováveis e gratuitas. Também na demanda por livre circulação de pessoas. A lamentável participação espanhola nas ações da OTAN tem resposta em uma utópico mas belo manisfesto pelo fechamento das fábricas de armamentos e pelo grito pacifista de “não à guerra”.
A história é também evocada em vários momentos. De uma parte, quando se exige educação laica, em um país onde a sombra sinistra do Santo Ofício ainda se faz sentir com tanta força. O artigo 15, que propõe a recuperação da memória história da luta pela democracia na Espanha, vitimada pelo franquismo por tantas décadas no século XX, é uma estocada certeira onde se busca empregar a evocação histórica como arma.
Por fim, ao invés de uma festividade desordenada e carnavalesca, o que essas demandas parecem mostrar é uma profunda crença no Estado e na democracia com promotores de um mundo menos absurdo, ainda que sob formas renovadas de busca de participação e controle dos cidadãos sobre e por dentro desse sistema. Do contrário, não teríamos pedido por reformas eleitorais e mais regulação estatal na economia, na educação, na saúde e na regulamentação das leis do trabalho.
Enfim, pode ser que nada disso represente o movimento que, desculpem-me mas não há palavra melhor, ainda está mesmo em movimento e parece heterogêneo e bastante difuso. Ainda assim, essas propostas, se realmente refletirem de algum modo o sentimento geral, estão ecoando a profunda insatisfação de toda uma geração contra as promessas não cumpridas não apenas da social-democracia, mas sobretudo do receituário neo-liberal, do pensamento de que “não há outro jeito”. Outros modos se inventam e os que apostam em qualquer tipo de paralização ou “fim” da história sempre me parecem mais lunáticos dos que os que, por mil motivos diferentes, erguem suas vozes, de uma forma ou de outra, para declarar que do jeito que está não pode continuar e que sempre é possível inventar novos modos de ser.

terça-feira, 17 de maio de 2011

No Coração do Rio Grande

Eu reclamo de Santa Maria, mas ela é muito minha.

Foto Cláudio Machado, tirei daqui http://santamariafoto.blogspot.com

Santa Maria das ruas mal pavimentadas, das calçadas impossíveis de se caminhar, dos loucos por super-mercado.  Santa Maria das poucas livrarias, dos muitos religiosos, dos militares em excesso. Santa Maria do tráfego de cidade grande. Santa Maria onde é impossível comer um pão que preste. Santa Maria longe do mar. Santa Maria longe de tudo. Santa Maria dos bairros pobres, sem infra-estrutura e sem esgoto. Santa Maria sem planejamento urbano, nem transporte público. Santa Maria do calorão. Santa Maria do vento norte e das ruas sem árvores. Santa Maria dos radialistas. Santa Maria das ex-dondocas cor-de-laranja e suas lojinhas de novidades. Santa Maria diversa, alegre e tolerante. Santa Maria das Universidades. A cidade pulsa com elas: vestibular e formaturas, gente que vai e que vem. Santa Maria dos estudantes, de gente de toda a parte. Santa Maria onde se sorri nas ruas. Santa Maria das mulheres bonitas. Santa Maria das montanhas azuis e das cachoeiras escondidas. Santa Maria dos amigos perdidos. Santa Maria da minha memória. Santa Maria da alegria e do horror. Santa Maria das pitangueiras e dos ipês no Campus, em setembro. Dos plátanos dourados no outono. Santa Maria dos mais belos entardeceres. Santa Maria onde encontrei o meu amor.




domingo, 15 de maio de 2011

Grêmio 2x3 Inter (Inter campeão nos pênaltis) - O Imprevisível e as constantes universais


É sabido que o Imprevisível é um dos deuses do futebol. Mas é um deus caprichoso. Hoje, ele deixou que se mantivessem seis constantes universais. E resolveu se manifestar por intermédio de apenas um jogador. Ele veio do limbo e seu nome era Zé Roberto.

Primeira constante universal: a zaga do Inter toma um gol com sua ridícula linha do impedimento. Dessa vez foi Lúcio, recebendo lançamento primoroso de Douglas, jogador que consegue irritar as duas torcidas em campo. Falcão sabia que tinha que fazer algo para solidificar a defesa porosa do Inter. Pensou que colocando Juan na lateral esquerda e, à frente da defesa, uma linha com três defensores (Bolatti, Guiñazú e Kleber), iria minimizar o problema. Ledo engano. O time não se achava, o amontoado de jogadores na defesa virou uma geleia que não conseguia conter os deslocamentos de Viçosa e Lúcio pela esquerda e os lançamentos de Douglas. Nos primeiros 25 minutos, o Grêmio fez um gol e amassou o Inter. Deu um banho de bola. Juan deu um pataço no lépido Leandro e amarelou-se. A torcida tricolor chegou a gritar Olé. Os colorados temeram um fiasco histórico.

Segunda constante universal: Leandro Damião faz, ao menos, um gol por jogo. Aos 25 minutos, Falcão trocou Juan por Zé Roberto, revertendo o esquema chama-derrota que, tal qual o Grêmio fizera na final da Taça Farroupilha, tinha o condão de perder para si mesmo. Eu gritei “Burro! O que tu tem contra o Oscar, seu Merda!”. O imprevisível mostrou que o burro sou eu. Zé Robernight jogou como nunca no Inter. Em casa, Celso Roth sorria com aquela cara de “Viiiuuuuu!!”. Em tabela com D´Alessandro, Zé Roberto foi ao fundo e cruzou. A bola era mais para o zagueiro do Grêmio, mas e daí? Leandro Damião, que Celso Roth deixava na reserva de Alecsandro antecipou-se e, tranquilo e infalível como Bruce Lee, tocou no cantinho. Agora eu cantando para Roth: Viiiiuuuuu!!

Terceira constante universal: se estiver razoavelmente equilibrado e jogar com raça, um time que tem jogadores melhores tende a ter maior volume de jogo do que um time com jogadores de pior qualidade. Mesmo ainda longe de jogar bem, o Inter equilibrou a partida. Em um rebote de escanteio, Andrezinho, tal qual fizera no Gre-Nal anterior, desferiu um golpe cirúrgico entre 397 jogadores do Grêmio. GOLO!! Note-se que mancava há cinco minutos. Andrezinho com um pé só: o Saci colorado!

Quarta constante universal: Sendo Vitor o goleiro do Grêmio, tomará gols decisivos desferidos pelos pés de Andrés D’Alessandro. No segundo tempo o Inter era melhor, tinha mais volume de jogo. Os 40.000 tricolores no estádio sentiram a barriga esfriar com a possibilidade de perder um título que, menos de hora atrás, parecia estar ganho. Zé Roberto, infernal, invadiu a área do Grêmio, mas estava muito pela ponta. Vitor saiu fabiocostamente e atingiu o jogador colorado em um carrinho desgovernado. Fosse Márcio Rezende de Freitas o juiz, Zé Roberto seria expulso e o Grêmio estaria comemorando o título. Mas não era. Pênalti corretamente marcado por Leandro Gordinho Vuaden, em atuação quase perfeita (só falhou porque poderia ter expulsado Guiñazu quando, acometido de seu costumeiro zumbido na cabeça, deu um carrinho violento em Douglas). D’Alessandro bate no cantinho, Vitor raspa com a unha na bola. Buxa! Bola nas redes. 1x3 Inter Campeão. Pega a bandeira e vamos para a rua! Ainda não: haviam outras verdades a serem cumpridas.

Quinta constante universal: Renan sairá de do gol de modo estabanado e tornará emocionante um jogo que se encaminhava bem para o Inter. O Grêmio retomou o controle da partida depois do gol do Inter que, inesperadamente, resistia bem. Renato colocou em campo dois atacantes. Bola na área do Inter, a zaga do Inter olha para os lados, Rafael Marques está no banco, Viçosa no chuveiro, não há perigo. Renan sobre e fica com ela. Então ele desce, bate a bola nas costas de Índio e SOLTA (putaquepariu Renan!). Borges, em busca de redenção, toca para o gol. Gol do Grêmio. A torcida tricolor, tão dada à religiosidade, volta a acreditar em imortais, em destinos sobrenaturais, na imantação da jaqueta tricolor. Eu, mais prosaico e objetivo, sigo repetindo, indignado, que o goleiro e a zaga do Inter NÃO TEM MAIS QUALQUER POSSIBILIDADE de jogar futebol profissionalmente. O Grêmio ainda perde um gol inacreditável com Bruce Lins. Zé Roberto dribla um defensor e desfere, de fora da área, um chute que o poderia consagrar. Vitor  faz uma defesa estupenda. Vamos para os pênaltis.

Sexta constante universal: para andar de salto alto, tem que ter bala na agulha, do contrário, a bola pode punir. O Inter venceu nos pênaltis e fez a festa. Renan pegou três, Vitor dois. Inter campeão. Jogo de enorme emoção. Os dois times, com suas imensas fragilidades defensivas, facilitaram a vida dos ataques. Se os times não estão bem, pelo menos os jogos são cheios de gol. Concordo com o que o Iuri Muller disse no twitter (ou foi o Maurício Brum, nunca tenho certeza quando é um ou outro!): os dois times precisam se reconstruir. O Inter tem mais material humano com que trabalhar, mas Falcão terá que aprender rápido a ser técnico de futebol. De resto, é sempre bom ganhar do Grêmio. Foi bonita uma final com dois técnicos torcedores, visivelmente emocionados. Ganhar o Gauchão vale quase nada. Pior, só perder. VAMOOO INTEEERRR! CAMPEÃO!!





sábado, 14 de maio de 2011

Montmartre, domingo de sol

O dia de hoje, de sol pálido, e mais alguns eventos coincidentes, me fizeram lembrar de um domigo de abril em 2006, quando moramos um semestre em Paris. Este é um dos textos que enviei aos amigos.

Quando nós morávamos no Rio de Janeiro, eu tentava parecer o menos estrangeiro possível. Só que não adiantava, toda vez em que eu passava pela Baía da Guanabara, olhava o Pão-de-Açúcar e o queixo ia lá no chão... Pois o mesmo aconteceu aqui. Hoje fomos a Montmartre. Não há lugar onde Paris seja mais parecida com a Paris que o mundo inteiro imagina. Ladeiras com escadas, dezenas de cafés e pequenos restaurantes com mesinhas nas calçadas, museus, artistas pintando nas ruas, essas coisas.

Essa imagem é um pouco de história e muito de artifício. Na virada do século XIX para o XX, aquele bairro era o local por excelência da vida boêmia de Paris. Nas ladeiras da “colina”, como é chamado também, havia ateliês de pintores como Renoir e, depois, moraram ali vanguardistas como Picasso. Dançarinas mostravam as coxas no Moulin Rouge e faziam agrados a quem pudesse pagar, enquanto Tolouse-Loutrec desenhava a todos sem piedade, como caricaturas. A gente conhece bem essa história. O lugar era a noite da Paris da Belle Époque.

Paris foi sitiada pelos alemães em 1870. O cerco foi intenso, os parisienses comeram todos os animais que viviam na cidade porque não havia mais nada do que se alimentar. Dois ricos industriais católicos fizeram então uma promessa ao Sagrado Coração de Jesus. Se os alemães levantassem o cerco e não conseguissem invadir a cidade, eles financiariam a construção de uma Igreja monumental no ponto mais alto da Colina de Montmartre. Paris resistiu, os alemães se retiraram, os animais voltaram à cidade (aliás, estão muito a vontade: um pombo até cagou no meu cabelo, mas tudo bem...). Assim, foi construída a Igreja do Sacre-Coeur. Toda branca e que eu acabo associando sempre com um Taj-Mahal parisiense. Talvez uma influência do orientalismo que grassava na Europa na segunda metade do século XIX.

Hoje, os parisienses fazem de um tudo pra reconstruir artificalmente aquela imagem da Paris que os turistas querem ver em Montmartre: algumas casas muito antigas estão bem preservadas, há pintores na rua ou com ateliês abertos, volta e meia alguma cantora imita Piaff com um realejo. Eles fingem que é mesmo aquela Paris que os turistas esperam e as centenas de turistas que inundam as ruas estreitas fingem que acreditam. Mas o diacho é que funciona!

Foi igualzinho ao caso do Rio. Eu sabia de tudo isso, mas não adiantou nadinha. O meu queixo caiu de novo. Aliás, ainda agora está a meio caminho de sua posição normal. Um pouco, não há como negar, foi por ver a imagem da Paris que a gente sempre imagina. Agora, outro tanto, e bem fundo, foi por outros motivos. A gente sai do metrô em um bairro desfavorecido, no XVIIIme, e vai chegando perto da Colina. O dia estava lindo, com sol, o que é raro por aqui. Tinha muita gente sentada nos gramados que costeiam a subida para o Sacre-Coeur. Foi me dando uma calma, uma alegria, uma vontade de fazer que nem aquele povo todo, e só sentar ali no sol, ventinho no rosto, cara de bobo de tão tranqüilo, olhando Paris inteira lá embaixo.

Seguimos subindo. Montmartre tem ruas tortuosas, ladeiras com escadas, casas antigas com amores-perfeitos nas janelas. A Nika ficou linda naquelas ruas, tirei um monte de fotos. Entendi porque os pintores todos moraram ou trabalharam lá. Ah... e entendi também porque o puteiro ficava lá. Imagina só: fazer farra a noite inteira e depois curar a ressaca descendo a colina, vendo o amanhecer com a cidade lá embaixo. Devia ser uma experiência religiosa (quem sabe não veio da lembrança de um momento desses a idéia daqueles senhores em construir a Igreja do Sacre-Coeur?).

O Montmartre que bateu fundo em mim é esse, e também o dos velhinhos sentados conversando calmamente no domingo de sol, com seus infalíveis cachorros pela coleira, o dos homens falando alto e jogando bocha no parque (isso mesmo, aqui eles também jogam bocha, e depois não acreditam quando eu digo que Jaguari dita moda para o mundo inteiro). É o Montmartre dos cafés e dos turistas também, mas acima de tudo é o Montmartre dos recantos afastados da multidão, nas pequenas praças onde a gente senta para ver as crianças brincarem.

Eu havia preparado um outro texto, bem político e social analisando os eventos das manifestações. Foi horrível ir até a École e encontrar lá apenas a polícia. Nesse texto também iam entrar umas reclamações porque nos mudamos para a Maison du Brésil e agora estamos morando numa garagem, e todo mundo insiste em dizer que é uma experiência arquitetônica, que é uma obra-prima da arquitetura moderna. Que viver nesses apartamentos é habitar a arte. Vão fazer experiência arquitetônica na casa da mãe deles. Lugar pra morar tem que ser bom de morar. E tenho dito! Mas de nada disso vou falar mais agora. O texto social mando pra vocês outra hora. E vocês leiam se quiserem. Mas neste aqui, neste exato momento, não consigo falar de mais nada senão das ruas inclinadas de Montmartre, das crianças nas praças e dos telhados de Paris lá embaixo.

Sem dinheiro para sentar nos cafés, mas parar em frente a eles é de graça...



sábado, 7 de maio de 2011

Hacia al sur, en Uruguay

Nesta semana, uma série de coincidências trouxe o Uruguai para o meu pensamento.  Estou providenciando a vinda de duas historiadoras da Universidad de la República para ministrar cursos aqui na UFSM; tivemos o esquecível maracanazo aplicado pelo Peñarol no glorioso Internacional (eles que esperem, retribuiremos); e fiquei hospedado na casa do Milton Ribeiro, em cujo blog foi publicada uma primeira versão do texto abaixo, que descreve minhas impressões sobre minha única viagem a Montevideo. É um horror que não tenha ido mais vezes. Para mim, é claro, pois o Uruguai passa muito bem sem mim. 

Torres-García


Montevidéu me pareceu, mesmo, a própria slow life. Terei lido em algum lugar que Hemingway dissera que a Espanha era o último lugar civilizado do mundo? Pois agora é Montevidéu.
Eu, a Nika e meu compadre José Iran fomos até lá de carro, em dezembro de 2007. Passamos por léguas e léguas de campo vazias, e pela estupidez dos mares de eucalipto e pinus da Botnia.
Comemos um filé com chimichurri inacreditável no trevo de Tacuarembó, a cidade das lambretas.
Depois de 2 horas sem cruzar com um único carro, chegamos a um posto de pedágio. A funcionária parou de ler e nos atendeu. Provavelmente foi ilusão de ótica, mas ela pareceu ter se surpreendido.
Emprego perfeito para uma escritora, comentei com a Nika.
Fiquei encantado passando ao largo de Durazno. Olhei para as ruas com árvores altas, casas antiquíssimas dando direto na rua e as pessoas colocando cadeiras para sentar na calçada ao entardecer. Parecia minha pequena cidade de infância. É por isso que o Uruguai não vai para a frente. Ele é feito para a memória.
Em Montevidéu, todos andam com garrafas térmicas e as pequenas cuias de mate debaixo do braço. Eu disse TODOS: os velhos, os homens de terno e gravata, as colegiais adolescentes.
Saí do prédio da Universidade, onde estava em um congresso. Entrei na primeira livraria que vi aberta. Encontrei um livro clássico de um grande historiador uruguaio dos anos 80. O rapaz da livraria aproximou-se e disse: “Gosta do Livro? Quer conhecer o autor?”. E me levou até um canto iluminado, onde um velhinho estava sentado, lendo.

Apontou para o velho: este é o grande historiador. Foi corrigido imediatamente: “já fui… agora apenas assombro livrarias”. Conversamos por mais de uma hora.
Fui ao museu do Torres-García e não comprei uma gravura. Sou uma besta. É fato.
Fiquei olhano o Rio da Prata, com a minha mulher. Por horas.

Além de tudo, o bisavô dela era uruguaio. Migrou para o interior de uma cidade da Campanha Gaúcha.
Lá, era tido por louco, pois tinha modos estranhíssimos: lia e escovava os dentes. Todos os dias.
Quando começou a dizer que os americanos e russos estavam construindo aeronaves para ir à lua, o povo deu o caso por perdido. Era só esperar o velho arrancar as roupas e começar a jogar pedras nas pessoas.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O Solar da Gaurama

De volta à SM depois de rápida estada Porto Alegre e São Leopoldo. Tivemos ótima recepção no Solar da Gaurama. O Milton passou horas entre delicados alicates e montagem de mesa e cama, a fazer reparos na edícula (para detalhes, ver http://miltonribeiro.opsblog.org/2011/05/01/preparacao-para-a-recepcao-ao-casal-witter-farinatti/)

Por favor, notem a instrutiva cortina que nos esperava no banheiro:



A Cláudia preparou uma mesa de colorido mediterrânico.



Ali, nos sentamos com eles e a Bárbara das 19:00 às 24:00, aproximadamente.



Depois de cinco anos, finalmente voltei a comer um pão de verdade.
Tudo isso depois de afirmarem que não daríamos trabalho algum... Fiz uma amizade verdadeira com a Juno, depois de algumas hesitações de minha parte, embora, após dois minutos, ela já ficasse nas patas traseiras para me lamber o rosto.



Eles são tão legais que até pensei em me mudar definitivamente. Pena que fica um pouco longe do meu serviço...


domingo, 1 de maio de 2011

Inter 1x1 Grêmio (4x2 nos pênaltis)

No princípio era o verbo e o espírito de Celso Roth pairava sobre o Beira-Rio. Manifestava-se no esquema armado por Falcão, com apenas um atacante, que rendeu ao Inter o domínio do jogo enquanto estava 11 x 11, mas sem contundência.
O outro avatar foi o modo como o Grêmio de Renato Roth começou o jogo. Empilhou três zagueiros e 18 volantes para tentar parar Leandro Damião (O MATADOR). Deve ter feito o cálculo: como Damião sem um ombro vale por dois centroavantes, e os zagueiros do Grêmio valem 1/3 de defensor cada um, 6 para 1 era a medida certa. Durou 25 minutos. Foi o tempo que Damião precisou para girar, com Rodolfo voando à suas costas como um avião e caindo como um martelo, e dar uma cavadinha encobrindo Grohe, que se atirava a ele como um esfameado.
O Inter teve o comando do jogo e pecou muito nas finalizações. Aos 15 minutos do segundo tempo o Bailão do Vilson apresentava atrações de D'Alessandro, Oscar e Kleber no lado esquerdo da defesa gremista, até que Guiñazú foi acometido do zumbido na cabeça que lhe sobrevém de tempos em tempos e fez a ESTUPIDEZ de ser expulso por uma falta no campo de ataque.
Agradecido, o criativo técnico Renato jogou seu time para frente, lançando mão do terceiro esquema em apenas 60 minutos de partida (deve ser um record, procurem por favor). O Inter resistia bem, agora com 9 jogadores mais o sobrenatural Damião (sem um ombro e jogando mais todo e qualquer outro jogador que pisou a grama do Beira-Rio nesta tarde). Até Nei jogava direitinho, fazendo a dele e a do aposentável Bolívar. Do outro lado, Rodrigo anulava o projeto-de -aspirante -a-quem-sabe-talvez-acho-que-não-craque Leandro. Mas não foi possível resistir à grande falha da fraca defesa colorada, nas bolas alçadas para a área, sendo que Viçosa (quem?) mandou a bola para as redes aos 40 minutos.
Damião ainda driblou 3 jogadores gremistas na pequena área e só não fez o de placa por um milagre de Marcelo Grohe. Sem tempo para mais nada, ainda que o árbitro tenha sido o Márcio Chagas, o jogo foi para os pênaltis.
Sem precisar da intervenção de sua zaga, o Inter levou apenas 50% dos gols de pênaltis. Sugiro que cometam pênaltis a todo momento nos próximos jogos. O destaque ficou por conta do tiro de meta batido por Borges que, ao contrário de seu chute, encontra-se inapelavelmente na descendente.
Vocês vão achar que é despeito, mas eu juro que não teria me importado se o Grêmio tivesse ganho nos pênaltis. Mais dois Gre-nais em meio à Libertadores é um desgaste enorme e fútil. Ganhar o Gauchão é bom, mas não vale o risco, como foi possível perceber pelos tantos trancos e cotovelaços que os gentis Rochembach, Adilson e Rafael Marques desferiram na asa quebrada de Leandro Damião.
Como saldo, fica para o Inter a certeza de que é muito superior ao Grêmio mesmo, mas que precisa encontrar um esquema que consiga equilibrar a procura por objetividade ofensiva com o fato de Oscar deve jogar. Além disso, a defesa segue um trem fantasma e só não comprometeu mais porque jogou contra um ataque quase inofensivo.
Para o Grêmio, restou a confirmação do declínio do seu time e do fato de que seu técnico está perdidinho da silva. Melhorou quando o Inter ficou com 10. Ou contrata para o Brasileirão, ou vai ter que pedir a gentileza do juiz expulsar um jogador do time adversário em toda partida.
Enfim, o Inter, com 10, resistiu quanto pode e venceu nos pênaltis. Ficamos felizes. Fosse o Grêmio, haveria discursos inflamados na imprensa sobre a imortalidade e a produção de dois DVDs.